Dia Mundial dos Pobres

A A
15/11/2017 - 11:00

Na lógica da nossa cultura, dedicam-se dias especiais a quem é reconhecido como importante, por sua contribuição na política, nas artes, na ciência, no esporte... Dessa forma, mostra-se apreço por essas pessoas e o grau de reconhecimento público que elas têm, ou tiveram, para uma comunidade humana.

E quem já pensou em dedicar um dia aos pobres? Talvez poderia até parecer absurdo, pois ser pobre não parece um ideal para ninguém, pelo contrário! Quem gostaria de ser como o pobre? Quem dá importância ao pobre? A condição dos pobres, geralmente, é considerada o contrário daquilo que se gostaria de ser e viver...

Se assim é para a mentalidade geral, não deve ser o mesmo para o cristão que queira levar o Evangelho a sério. Foi pensando nisso, e para dar um sinal profético dos verdadeiros valores ao mundo, que o Papa Francisco instituiu o Dia Mundial dos Pobres, a ser celebrado todos os anos no Domingo anterior à Solenidade de Cristo Rei. A iniciativa já havia sido anunciada por Francisco na Carta Apostólica “Misericordia et Misera”, na conclusão do Ano Santo da Misericórdia (2015-2016). No dia 13 de junho de 2017, festa de Santo Antônio, o Papa emitiu uma bela Mensagem para o primeiro Dia Mundial dos Pobres, que será celebrado no próximo dia 19 de novembro. O título da Mensagem é: “Não amemos com palavras, mas com obras”.

O Papa lembra que os pobres são os primeiros destinatários da Boa Nova do Reino de Deus. Jesus proclama “felizes” os pobres, porque deles é o Reino dos céus (cf. Mt 5,3). O próprio Jesus teve sempre uma predileção pelos pobres e os socorria em suas necessidades. E ensina ser feito a ele mesmo aquilo que se faz, ou se deixa de fazer, em relação aos pobres (cf. Mt 25). Os primeiros cristãos cuidavam dos pobres e os socorriam com a partilha de seus bens (cf. At 2,45).

São Paulo, depois de se encontrar com os apóstolos e de confrontar sua pregação com a deles, recebeu a recomendação de não se esquecer dos pobres. O apóstolo São Tiago chama seriamente a atenção a quem desprezava os pobres: “porventura não escolheu Deus os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que O amam?” (Tg 2, 1-6).

A atenção aos pobres não pode ser, pois, algo periférico na vida e na prática cristã, mas deve estar no centro dela. Em consequência disso, os pobres também devem estar no centro das atenções da Igreja. Como já havia dito o Papa Bento XVI na abertura da Conferência de Aparecida, em 2007: faz parte da nossa fé em Cristo e não pode ser separado dela. Não é por uma questão de ideologia ou cálculo político, mas é uma consequência de nossa fé em Cristo e no seu Evangelho. O amor aos pobres é inseparável do amor a Cristo e põe à prova a autenticidade da nossa prática religiosa devocional e ritual, que seria vazia e até falsa se andasse de mãos dadas com a insensibilidade para com os pobres ou o desprezo deles.

Nesse sentido, escreve o Papa: “se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos seu corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia. O Corpo de Cristo, partido na sagrada Liturgia, deixa-se encontrar pela caridade partilhada no rosto e na pessoa dos irmãos e irmãs mais frágeis” (nº 3). Isso faz eco às palavras de São João Crisóstomo, um santo bispo do século IV: “queres honrar o Corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm o que vestir; nem o honres aqui no templo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez”.

Não se trata de fazer apologia à pobreza, mas da pessoa do pobre, do reconhecimento de sua dignidade e do respeito que ele merece. Trata-se da ajuda que lhe é devida e para que não seja privado da sua dignidade humana e de filho de Deus. Ao mesmo tempo, o pobre sempre interpela a nossa consciência pessoal e social e nos leva a perguntar pelos motivos e causas da existência de pobres entre nós. Como devemos agir pessoal e socialmente para que seja superada a condição de pobreza e até de miséria que ainda aflige muitíssimas pessoas?

A celebração anual do Dia Mundial dos Pobres deverá se tornar uma tradição na Igreja e contribuir de maneira eficaz para a evangelização. Deverá ser um sinal profético para o mundo que, talvez, não compreenderá logo o seu significado. Sinal também para a busca da autenticidade da nossa própria prática religiosa cristã.

 


Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 15.11.2017