E quem não é tentado?

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13/03/2019 - 10:30

No caminho quaresmal, em preparação à celebração da Páscoa, somos convidados a fazer a revisão de vida sobre as questões fundamentais da nossa fé e da vida cristã, para chegarmos à Páscoa com disposições renovadas para fazer mais uma vez nossa profissão de fé com a Igreja e para reafirmar nossas promessas batismais.

A primeira das promessas batismais diz respeito à renúncia a Satanás, o inimigo de Deus e dos homens, aquele que semeia confusão e desordem na vida das pessoas e na vida do mundo. “Renuncias a Satanás?” não é uma pergunta inócua ou folclórica, a ser menosprezada com um sorrisinho nos lábios. A essa pergunta corresponde a questão crucial e permanente de nossa vida: Quem é o senhor de tua vida? A quem queres servir: ao diabo ou a Deus? A resposta – “renuncio” – tem o valor de um programa de vida: lutar constantemente para que não seja Satanás quem manda em nossas vidas.

Neste primeiro Domingo da Quaresma, lê-se no Evangelho sobre as tentações de Jesus Cristo no deserto. Satanás é ousado, pois ele bem sabe quem é Jesus e não o ataca por engano. As três tentações começam com o lançamento de uma dúvida: “Se és o Filho de Deus”. No fundo, coloca em dúvida o amor de Deus por Jesus. Seguem propostas indecorosas e o pedido para Jesus fazer o que não convém ao Filho de Deus. Propõe que Jesus desobedeça a Deus e se proclame acima do bem e do mal. Promete coisas atraentes, como são as tentações do diabo. Finalmente, pretende que Jesus se prostre diante dele e o adore. Nada menos que isso: em vez de adorar a Deus Pai, adorar o diabo. A tentação consentida leva a isso mesmo: a servir a Satanás e ser submisso a ele.

Jesus não cai nas tentações enganadoras de Satanás, mas resiste a todas, pois está em plena comunhão com Deus Pai. Está em jejum e oração e, acima de tudo, tem diante de si a Palavra de Deus, confia nela e não se afasta dela. Cada uma das tentações é vencida com a força da Palavra: “Está escrito”, ou seja, o que ensina a Palavra de Deus.

A recordação da vitória de Jesus sobre o tentador, no início da Quaresma, nos coloca diante do realismo da vida cristã. Ninguém tem a salvação garantida por antecipação, mas esta depende de nossa perseverança na fé e no caminho do Evangelho. Ninguém está livre de pequenas e grandes tentações, como o esfriamento e até o abandono da vida cristã e da própria fé. E as tentações, geralmente, não mostram logo o seu veneno, mas chegam com a aparência de coisa interessante e atraente. Talvez sem nos darmos conta, ao longo da vida, vamos fazendo escolhas não condizentes com as “renúncias” a Satanás e as afirmações da fé em Deus, feitas no Batismo. Essa é a condição de todo homem e toda mulher neste mundo. A vida cristã é feita de constantes escolhas por Deus e seus caminhos e por renúncias a Satanás. E isso é possível, se contarmos com a graça de Deus e não apenas com nossas forças. Jesus superou toda tentação, e nós também podemos.

Na oração inicial da Missa deste primeiro Domingo da Quaresma, pedimos a Deus a graça de “progredir no conhecimento de Jesus Cristo e de corresponder ao seu amor por uma vida santa”. E aqui está o segredo para vencer as grandes tentações: conhecer o amor de Deus por nós, revelado por Jesus Cristo. O amor de Deus é o motivo maior para não se deixar enganar pelo tentador, nem se deixar atrair por suas promessas sedutoras e falsas. Conhecer e progredir no amor de Deus e corresponder a esse amor com uma vida santa: só isso nos torna capazes de manter-nos livres dos ataques do tentador. O amor de Deus e suas promessas valem mais que tudo o que o diabo nos possa prometer.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 13/03/2019