São Paulo: coragem de mudar

A A
26/01/2018 - 09:30

A comemoração litúrgica da Conversão de São Paulo, dia 25 de janeiro, é também a data do aniversário da fundação de São Paulo. A cidade nasceu de um trabalho missionário, em torno do altar, de uma capelinha e de um pequeno colégio. Entre os missionários fundadores, em 1554, havia também um santo, que muito honra a cidade e a Igreja em São Paulo: São José de Anchieta, canonizado pelo Papa Francisco em 2014.

Isso faz pensar na missão da Igreja nesta cidade e também na identidade e vocação da própria Metrópole. Não é sem motivos que proclamamos: “Deus habita esta Cidade, somos suas testemunhas!” São Paulo é chamada a ser, mais e mais, uma cidade digna de Deus e dos homens e a superar tudo aquilo que desonra a santidade de Deus e ofende a dignidade dos seus filhos, que nela habitam.

Há algum tempo, a Igreja no Brasil e no mundo inteiro tenta orientar-se para um processo de nova evangelização. O Documento de Aparecida (2007), dos Bispos da América Latina e do Caribe, deixou claro que esse processo não pode ser apenas um “remendo”, ou uma mexida nalguns aspectos organizativos da pastoral. Falou-se de uma necessária e urgente “conversão pastoral e missionária” da Igreja e de todos os católicos. Já não basta mais seguir adiante, apenas com uma “pastoral de manutenção” da Igreja. 

O mundo, ao nosso redor, mudou e continua a mudar rapidamente e, por isso, já não dá mais para supor que a fé católica é transmitida automaticamente, de geração em geração, por costume e pressão social. É só abrir os olhos e começar a constatar o que se passa: muitos abandonaram a Igreja, aumentam os que se dizem “sem religião”, grupos evangélicos surgem por toda parte, tentando “converter” os católicos... E quem não tem firmeza nem profundidade nas convicções de fé, acaba desistindo e abandonando a fé católica. Triste também é constatar que, mesmo em famílias até agora fervorosas, cresce o número dos que já não casam mais na Igreja, nem se preocupam em formar um lar cristão; não batizam os filhos, nem os encaminham para a catequese... O resultado disso só pode ser o aumento do número daqueles que não mais se reconhecem católicos e abandonam a fé. 

Por isso, o Papa Francisco, no início do seu pontificado, escreveu a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), sobre a nova evangelização para a transmissão da fé no contexto atual da Igreja e do mundo. Retomando as palavras do Documento de Aparecida, ele exortou a Igreja no mundo inteiro a não se retrair para dentro da sua “zona de conforto”, mas a ser uma “Igreja em saída”, indo ao encontro das pessoas e das situações em que se faz necessário anunciar e ouvir a Boa Nova de Jesus. Precisamos tornar-nos mais e mais uma Igreja “em estado permanente de missão”, que se converte e renova a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo, como aconteceu com São Paulo. 

No seu encontro surpreendente com Cristo, às portas de Damasco, o apóstolo São Paulo pensava estar no caminho certo; mas estava cego de vaidade, soberba e ódio. Ao ser interpelado pela voz – “Saulo, Saulo, por que me persegues?” -, ele perguntou: “que devo fazer?” (cf. At 22, 3-16). Daí por diante, Jesus tornou-se para ele o caminho, a verdade e a vida. Paulo tornou-se, como conhecemos, o ardoroso discípulo-missionário de Jesus Cristo, entregue inteiramente ao anúncio e testemunho do Evangelho aos povos. Paulo teve a coragem de mudar de vida e de assumir as suas consequências. 

Fascinado por Cristo, nada mais lhe pareceu difícil nem pesado. Com humildade, ele afirma: “O meu viver é Cristo!”. Nada mais lhe interessa tanto, como dedicar suas energias inteiramente à propagação do nome de Jesus Cristo e levar as pessoas e os povos ao encontro d’Ele. Paulo teve a compreensão clara da misericórdia de Deus, que o amava e chamava, quando ele ainda era pecador e perseguidor da Igreja de Cristo. E assim pode exclamar: “Ele me amou e por mim se entregou na cruz!” Ao amor, só se pode retribuir com amor generoso. 

A experiência da conversão de São Paulo é paradigmática. Também nós somos chamados a nos perguntar, postos diante de Cristo, “autor e consumador de nossa fé”: “Senhor, que queres de mim? Que queres de tua Igreja? Faze-nos ouvir tua voz, dá-nos abertura e disposição de coração para acolhermos teus apelos; mostra-nos o caminho que devemos percorrer, converte-nos ao Evangelho, faze de nós teus discípulos, animados de vivo ardor missionário, para o testemunho do teu Reino! 

No Ano Nacional do Laicato, que estamos celebrando, o apóstolo São Paulo também é um exemplo para todos os leigos e leigas que desejam viver com generosidade a sua identidade cristã e católica e a sua missão na Igreja. Paulo teve a coragem de cortar com seu passado, para se dedicar inteiramente a Cristo e seu Evangelho, que passaram a ser a coisa mais importante para ele. Seu exemplo de convertido a Cristo pode continuar a inspirarnos, como inspirou a muitos ao longo da história.

 
 
 
 
 
 
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo