Vigiai, portanto...

A A
29/11/2017 - 10:00

Com o Advento, iniciamos um novo ano litúrgico. Começamos recordando as promessas de Deus a respeito da salvação da humanidade e nos preparamos para celebrar o Mistério da Encarnação do Filho de Deus em nossa humanidade, no Natal. No entanto, o Advento não serve apenas para preparar o Natal, mas nos coloca, desde o início, na perspectiva da vinda gloriosa de Jesus Cristo, no “dia de Deus”, ou “no final dos tempos”, conforme expressões da Escritura e da fé da Igreja. 

Na verdade, no Natal que celebramos, Jesus não nasce “de novo”, pois já nasceu no tempo e na história, uma vez por todas. Trata-se, agora, de celebrar, com alegria e gratidão, na Liturgia e na espiritualidade cristã, a recordação da Sua primeira vinda e do Seu nascimento através da Virgem Maria e de acolher, de coração aberto e com fé, tudo o que significou Sua vinda ao mundo e tudo o que nos trouxe com Seu nascimento entre nós. Ao mesmo tempo que fazemos memória desse acontecimento único, o mais maravilhoso desde a criação do mundo, acolhemos a grande bênção que ele representa para cada um de nós e para o mundo inteiro.

O Advento, por um lado, faz-nos voltar no tempo, fazendo a memória da fé, recordando as promessas da salvação e a fidelidade de Deus. Deus promete e cumpre o que promete. Ao mesmo tempo, o Advento nos coloca na perspectiva do futuro, em vista do cumprimento das promessas de Deus ainda abertas para a sua plenitude. De fato, como diz São Paulo, desde agora já somos salvos, mas na esperança – “spe salvi” (cf Rm 8,24). Enquanto caminhamos neste mundo, entre pequenas alegrias, fadigas e angústias, nosso coração anseia pela realização plena da salvação prometida por Deus. Desde já, temos “as primícias” da salvação, mas ainda não se realizou plenamente o que buscamos e esperamos de Deus. 

E, então, recordamos novamente as promessas e a fidelidade de Deus à Sua aliança de amor para com a humanidade, na medida em que Ele já nos deu garantias de que não é vazio nem enganoso aquilo que nos promete. O Advento é marcado pela alegre esperança e pela consoladora certeza de que Deus não abandonou o homem à sua angústia nem à frustração. É verdadeiro o que Ele promete. A maior prova da “credibilidade”, que Deus dá de si mesmo, é o envio do seu Filho único ao mundo: “tanto Deus amou o mundo, que lhe entregou Seu Filho único, para que todo aquele que n’Ele crer, não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).

O Advento nos recorda a atitude que nos deve acompanhar durante todo o tempo de espera da realização plena das promessas de Deus: a vigilância. É a atitude do guarda, ou vigilante noturno, que fica acordado e sempre alerta para qualquer ruído ou sinal que deva ser verificado e atendido. O cristão deve ser vigilante sobre si mesmo, para não permitir que as distrações e tentações da vida o desviem do caminho certo, que leva ao encontro do Senhor e ao alcance das promessas de Deus. A vigilância, ao mesmo tempo, indica o constante discernimento sobre aquilo que se passa ao nosso redor, de maneira que nada nos impeça de “correr livremente ao encontro do Cristo, que vem”, conforme reza a Liturgia do Advento. 

Vigilância também indica constância, superação de desânimos, perseverança e firmeza na vida cristã. São Paulo encoraja os cristãos à perseverança na fé, na prática do bem e no esforço de fazer frutificar os dons recebidos: “não tendes falta de nenhum dom, vós que aguardais a revelação do Senhor nosso, Jesus Cristo. É Ele que vos dará perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até o fim, até ao dia de nosso Senhor, Jesus Cristo. Deus é fiel; por Ele fostes chamados à comunhão com seu Filho...” (1Cor 1, 7-9). E Jesus ensina que a Sua vinda gloriosa, para o cumprimento da promessa final da salvação, poderá acontecer a qualquer momento. Por isso, Ele adverte: “cuidado, ficai atentos, pois não sabeis quando chegará o momento!” (Mc 13, 33.37).

O Advento, enfim, é tempo favorável para despertar ou reavivar em nós a busca dos bens de Deus e do próprio Deus, como Bem supremo. E essa busca deve nos acompanhar durante toda a vida, não nos deixando enganar ou desviar por ilusões e falsas promessas. A Oração do primeiro Domingo do Advento expressa bem essa atitude: “ó Deus todo-poderoso, concedei a vossos fiéis o ardente desejo de possuir o reino celeste...”  Esse “ardente desejo” está inscrito no coração do homem, mesmo quando ele não o sabe explicar, ou lhe procura dar falsas satisfações. Ele é a misteriosa “saudade da alma” e sinal da grande esperança que anima a existência humana.
 

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 29/11/2017