Mais que um abraço apertado

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Unifai dará curso gratuito para apadrinhamento de crianças, em parceria com a Vara da Infância e da Juventude de Santo Amaro
Publicado em: 21/07/2016 - 12:45
Créditos: Redação com Jornal O SÃO PAULO

 

Por Nayá Fernandes 

Eles estavam se preparando para uma semana de férias no litoral norte de São Paulo, a mãe, o filho de 15 anos e alguns amigos dele, quando a reportagem do O SÃO PAULO conheceu a história de Marli e Ubiratan Pizzorelli Silva. O casal já tinha um filho com 20 anos de idade e não pensava em ter mais um, mas um telefonema mudou repentinamente a vida da família.

Era o ano de 2009 e uma amiga de Marli que morava e trabalhava num abrigo em Belo Horizonte (MG) ligou para ela, perguntando se não conhecia ninguém com desejo de realizar uma adoção. Enquanto isso, Alisson, que à época tinha 7 anos, se levantava durante a noite e rezava aos pés da imagem de Nossa Senhora pedindo que ela o ajudasse a encontrar uma família que o acolhesse.

Devido à idade e esgotadas as possibilidades de adoção por uma família brasileira, o garotinho estava prestes a ser encaminhado para adoção internacional. O processo de reinserção familiar tinha sido feito sem sucesso e também por isso ele estava no abrigo. Além disso, Alisson havia passado por uma experiência em outra família, que chegou a devolvê-lo ao abrigo. Naquela noite, as preces de Alisson foram ouvidas e Marli e Ubiratan decidiram acolher o pequeno mineirinho em São Paulo.


Mas, para muitas crianças, a história é um pouco diferente e a permanência em abrigos pode acabar sendo prolongada. “Esta situação acontece porque muitas pessoas, ao apontarem características que gostariam de encontrar na criança a ser adotada, optam por bebês, do sexo feminino e de cor branca, e a realidade das crianças aptas à adoção não é exatamente essa”, explicou Monica Natale, que participou da fundação do Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo (Gaasp).

Pensando na situação dessas crianças que permanecem nos abrigos e não têm condições de uma reinserção familiar ou de serem adotadas, foi que a Vara da Infância e Juventude do Foro Regional de Santo Amaro e o Unifai se uniram para a realização do projeto “Abraço: ampliando horizontes, construindo laços”. O lançamento do projeto aconteceu no Unifai no dia 28 de maio.

A Vara da Infância e Juventude do Foro Regional de Santo Amaro definiu uma série de procedimentos para uma prática que já existia, a fim de tornar viável e oficial o apadrinhamento dessas crianças. Os interessados deverão participar de um curso de capacitação dado por uma instituição de ensino superior parceira. O Unifai irá promover essa formação gratuitamente com envolvimento dos profissionais de seus cursos de Serviço Social, Pedagogia e Direito.

Expectativas X perfil das crianças disponíveis para adoção

A permanência de muitas crianças e adolescentes em abrigos acontece porque elas não estão, segundo a lei, aptas para a adoção por diferentes motivos. Uma pesquisa publicada pelo Senado Federal em 2013, disponível no site da Instituição, apontou que três em cada quatro desses jovens brasileiros possuem irmãos e 36,82% deles têm pelo menos um irmão que também aguarda na fila nacional de adoção.

Muito provavelmente essas crianças sofrerão uma segunda separação, além daquela dos genitores, pois a maioria dos pretendentes à adoção não quer mais que uma criança. Outro motivo, e talvez o mais significativo, é a idade. “Enquanto 92,7% dos pretendentes deseja uma criança com idade entre 0 e 5 anos, o Cadastro Nacional de Adoção informa que apenas 8,8% das crianças e adolescentes aptos à adoção têm essa idade. Os indicadores sugerem que a idade pode ser um entrave significativo que dificulta a adoção de adolescentes”, diz o relatório do Conselho Nacional de Justiça. 

Isso acontece porque a Justiça entende que, ao destituir do pátrio poder, ou seja, da família biológica, uma criança de 8 anos, por exemplo, dificilmente conseguirá ser adotada por outra família. Por isso, os pretendentes podem ter muitos entraves até conseguir a guarda definitiva de uma criança. Isso aconteceu com Marli e Ubiratan. “O processo do Alisson demorou cinco anos. Durante todo esse tempo, ele não tinha sobrenome e nós tínhamos sempre aquela sensação de que tudo poderia voltar à estaca zero. Chegou um momento, porém, que ele por conta própria começou a usar nosso sobrenome”, contou Marli.

O juiz Sérgio Kreuz, de Cascavel (PR) – cidade que tem como característica ser sede de uma comarca com número elevado de adoções de crianças e adolescentes, sendo, por muitos anos, a que mais realizou esse procedimento em todo o Paraná, só em 2015, foram 30 –, afirma que a questão do prazo é um dos grandes dilemas da Justiça da Infância e da Juventude. Quando o juiz decide com muita rapidez, pode estar impedindo que a criança seja reinserida na família natural e, quando demora a decidir, poderá estar inviabilizando uma futura adoção.

“A lei exige que o juiz esgote as possibilidades de reintegração na família natural ou extensiva. Mas por quanto tempo se deve tentar a reintegração? É uma questão de difícil avaliação”, ponderou.

Segundo ele, muitas vezes perde-se um tempo precioso para a criança na tentativa de reintegrá-la à família biológica. O Juiz ressalta, no entanto, que a destituição do pátrio poder também não pode ser feita de forma arbitrária. “Os pais têm direito à defesa, produção de provas e recursos, que muitas vezes demoram anos para serem julgados. Enquanto isso, as crianças crescem nas unidades de acolhimento. Os processos judiciais, embora imprescindíveis, não podem se arrastar por anos, sem qualquer solução”, comentou.
 
Apadrinhamento afetivo não é adoção

Preocupadas com a realidade dessas crianças que permanecem nos abrigos por mais de dois anos, situação considerada inconstitucional, as juízas Maria Silvia Gomes Sterman e Sirley Claus Prado Tonello publicaram no dia 28 de junho a Portaria Nº 02/2016, que dispõe sobre a prática do apadrinhamento afetivo como ferramenta útil para proporcionar convivência familiar a crianças e adolescentes com reduzidas perspectivas de retorno à família de origem ou adoção.

“E se eu conseguir um padrinho ou madrinha para vocês?”, disse a juíza Maria Silvia a duas meninas que pediram para que conseguisse pais que as acolhessem. Assim foi lançada a semente do projeto “Abraço: ampliando horizontes, construindo laços”. Para ela, “a iniciativa é de importância vital, é a oportunidade de uma convivência familiar para as crianças das quais foi retirada essa oportunidade”.

Sirley, por sua vez, disse que o Judiciário, muitas vezes, não tem respostas para algumas crianças e adolescentes que desejam ser adotadas. “Nós queremos dar respostas à angústia dessas crianças”, comentou. Ela disse ainda que o apadrinhamento afetivo é uma prática antiga que surgiu da própria comunidade. “Assim, nosso trabalho foi sistematizar e organizar essa prática”, continuou. A juíza Sirley explicou que a presença de um padrinho ou uma madrinha pode mudar muito o comportamento das crianças e sua inserção na sociedade. “Precisamos ampliar essa iniciativa, pois os benefícios são comprovados”, explicou.

Por parte do Unifai, a parceria prevê cursos de capacitação para as pessoas que desejam apadrinhar e trabalhará os seguintes temas: função de acolhimento institucional e os prejuízos no desenvolvimento de crianças e adolescentes institucionalizados quando estes não dispõem de contato familiar; peculiaridades da infância e adolescência; concepção de família, vínculos (consanguíneos, por afinidade e afetividade); conflitos de convivência; diferenças entre apadrinhamento, guarda e adoção; atribuições dos padrinhos afetivos e importância da convivência familiar e comunitária.

“Para nós é uma alegria dar andamento à parceria, pois assim esta instituição de ensino cumpre uma de suas principais tarefas: a de primar pelo tripé da educação – o ensino, a pesquisa e a extensão. E os projetos de extensão são aqueles que rompem os muros da instituição de ensino e vão ao encontro das necessidades sociais”, afirmou o reitor do Unifai, Padre Edelcio Ottaviani. Ele salientou também ser essencial que a sociedade tome para si a responsabilidade de educação da infância e da juventude, pois essa é uma tarefa de todos. “Os últimos acontecimentos de assassinatos de crianças têm mostrado uma certa falência dessa responsabilidade”, lembrou o Padre.

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, afirmou que “num projeto como este, temos que trabalhar com o coração, com a emoção. Temos um objetivo transformador e um pensamento positivo. Não devemos nos abater com dificuldades materiais. Tem muita gente que quer contribuir e não sabe o caminho. Esse projeto vai ampliar nossos horizontes, pois às vezes lamentamos as misérias sociais que vivemos e não vemos quais os passos podemos dar para contribuir”.

Quem pode ser padrinho ou madrinha?

Podem ser padrinhos os maiores de 21 anos sem antecedentes criminais e que tenham comprovada idoneidade. Além do curso de capacitação com temas relacionados com à infância e juventude, família, diferença entre adoção e apadrinhamento, dentre outros, os interessados passarão por avaliação social e psicológica. Os afilhados são crianças a partir de 7 anos de idade, cuja reintegração familiar tenha sido inviabilizada e para os quais não tenham sido localizados pretendentes à adoção.
Além de visitas, os padrinhos podem estar próximos dos afilhados por meio de redes sociais, e-mail e contato telefônico, participando de momentos de suas vidas como provas escolares e de outras atividades do cotidiano. Mas é importante, que o padrinho ou a madrinha não criem expectativas de adoção nos afilhados e deixem bem claro qual é o seu papel na vida da criança ou do adolescente. O curso de capacitação para o apadrinhamento afetivo será oferecido pelo Unifai a partir de agosto. Os interessados podem se inscrever pelo site www.unifai.edu.br.

Como acontecerá o Curso no Unifai?

O curso terá duração de cinco horas e acontecerá num único dia, dividido em três etapas. Na primeira parte, os professores do curso de Serviço Social irão explicar o que é uma criança institucionalizada e quais as diferentes configurações familiares atuais por exemplo. Depois, os cursistas irão passar pelos professores da Pedagogia, que falarão sobre as especificidades da infância e da adolescência e, por último, os professores de Direito falarão sobre questões como a diferença entre guarda, adoção e o que seria um apadrinhamento, do ponto de vista legal. Na sequência, a pessoa que decidir prosseguir com o processo de apadrinhamento, irá ser entrevistada pessoalmente por profissionais do Serviço Social e da Psicologia, para verificar se ela tem a disponibilidade afetiva para participar do projeto, conforme explicou a professora Alessandra Medeiros, coordenadora do Curso de Pedagogia do Unifai.

Reportagem publicada no Jornal O SÃO PAULO - Edição 3111 - De 20a 26 de julho de 2016