‘Nem comunismo, nem capitalismo. Economia de Comunhão’

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Ricardo Meirelles de Faria, doutor em Economia pela FGV, é membro Conselho de Empresários da Associação Nacional por uma Economia de Comunhão (Anpecom)
Publicado em: 17/06/2016 - 10:00
Créditos: Redação com Jornal O SÃO PAULO

Por Diego Monteiro

Ao completar 25 anos de fundação, o projeto Economia de Comunhão (Edc), lançado em todo mundo por Chiara Lubich (1920-2008), fundadora do Movimento dos Focolares, durante visita ao Brasil em maio de 1991, tem como objetivo responder ao drama da pobreza.


A proposta da Economia de Comunhão pode ser sintetizada da seguinte maneira: empresas, livremente, colocam seus lucros em comunhão, repartindo-os em três partes, destinadas a ajudar pessoas em dificuldades econômicas, promover formação segundo uma cultura da partilha, bem como o desenvolvimento da empresa.


Em entrevista ao O SÃO PAULO, Ricardo Meirelles de Faria, casado há 14 anos, pai de duas filhas, doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas com cursos de pós-graduação na Universidade Luigi Bocconi, em Milão, na Itália, e na Georgetown University, em Washington-DC, nos Estados Unidos, e membro do Conselho de Empresários da Associação Nacional por uma Economia de Comunhão (Anpecom), explicou sobre essa proposta de empreendedorismo liberto do egoísmo.

O SÃO PAULO – Em que contexto surgiu a Economia de Comunhão?

Ricardo Meirelles de Faria - No contexto nacional, vivíamos a difícil realidade da hiperinflação logo após o fim do malfadado Plano Collor. Havia uma situação econômica realmente muito difícil no Brasil, a fome ainda era um problema avassalador. Nesse contexto, as comunidades dos Focolares não conseguiam, com a comunhão de bens de seus membros, suprir as necessidades mais básicas de parte de suas famílias mais necessitadas. No âmbito internacional, acabava de cair o muro de Berlim e toda a ilusão de uma sociedade baseada no sistema comunista. Chiara, em 1990, havia visitado os Estados Unidos e também se chocou com o problema das desigualdades sociais daquele País. Assim, Chiara lançou o projeto da EdC, que propunha em termos mais gerais, um repensar do atual modelo econômico excludente e desigual. Utilizando uma frase de Chiara naqueles dias: “nem comunismo, nem capitalismo, mas comunhão na liberdade”. Em termos práticos, a proposta de Chiara se resumia em colocarmos parte de nossas rendas (salários e lucros recebidos) para suprir as necessidades mais prementes de nossa comunidade.

 O que a Economia de Comunhão propõe de diferente ao conceito clássico de economia? Como vivenciar a EdC em uma sociedade em que o foco do trabalho é gerar lucro?

Todos os cidadãos de uma comunidade deveriam buscar trabalhar de forma mais eficiente possível, obviamente atendendo a todos os princípios legais, jurídicos, de sustentabilidade e éticos dessa sociedade. O que a Economia de Comunhão sugere é que parte do resultado, da renda, dessa economia - que inclui os salários dos trabalhadores e os lucros dos empresários - possa ser também livremente colocada em comum para atender as necessidades mais preementes da comunidade. Ou seja, a proposta da EdC, em síntese, é muito simples e prática: solucionar as dificuldades econômicas das famílias e dos indivíduos de determinada comunidade, no momento presente. Não podemos esperar

Como está estruturada a Economia de Comunhão no Brasil? O que viria a ser a Associação Nacional por Uma Economia de Comunhão (Anpecom)?

Fazemos parte de uma grande rede internacional de comunhão que se inicia nas nossas comunidades locais no Brasil e em todo o mundo. De alguma forma, essa rede se agrega em regiões e países e, por fim, se interconecta em uma grande rede internacional onde são colocados em comum, por um lado, as necessidades - sejam elas materiais, necessidades de aconselhamentos, necessidades de consultoria técnica, e tantos outros tipos – e por outro, as disponibilidades – dos recursos doados, materiais, financeiros, capacidades intelectuais etc. No Brasil, foi criada a Anpecom, que tem exatamente essa função de agregar as necessidades das comunidades brasileiras, por um lado, e as disponibilidades, por outro, além de fazer essa comunicação com as redes internacionais da EdC.
 

Como é a aceitação dos empresários em relação à Economia de Comunhão na gestão empresarial? Quantas empresas já aderiram à proposta em todo mundo?

Os dilemas empresariais são inúmeros e desafiadores e nossos seminários sobre EdC têm sido um espaço importante de troca de experiências sobre como trabalhar para enfrentá-los. Atualmente, ao redor de mil empresas estão formalmente inseridas no projeto em todas as regiões do mundo.

De que forma as empresas podem ser lugares e instrumentos de comunhão? Há espaço para a fraternidade na Economia de Comunhão?

Eu diria que a fraternidade é a razão de ser da EdC. É porque nos sentimos como uma grande família global que nos esforçamos por um projeto de economia que seja mais solidário e inclusivo como aquele proposto pela EdC. Tendo a fraternidade como razão de ser, sem sombra de dúvida, as empresas podem ser espaços de fraternidade e comunhão. Isso não pressupõe uma realidade sem conflitos, dilemas, problemas. O que nos move é a razão de ser.

Diante da crise atual, que contribuições a EdC pode dar à sociedade brasileira?

A EdC é uma das inúmeras propostas, projetos, que buscam solucionar os inúmeros problemas econômicos e sociais nas diversas regiões do mundo. Nesse sentido, creio que um dos contributos que a EdC possa dar à sociedade brasileira em crise é esse olhar de coesão social e comunitária; olhar os mais necessitados de nossa comunidade, não como um indigente impessoal, mas como o mais importante membro da família no momento atual. O grande esforço e dilema da EdC é conseguir colocar essa bela proposta em termos práticos. De forma ainda bastante modesta, temos conseguido fazer alguma coisa.

 Em um recente artigo, o senhor defendeu uma tributação mais progressiva no Brasil que taxe quem ganha mais. O que é preciso para que isso se torne efetivo?

Naquele artigo de minha autoria, do qual se refere, comentei que na minha visão, a taxação mais progressiva seria uma forma justa, honesta e saudável de diminuir ao longo do tempo as desigualdades sociais de um país e de forma premente, do Brasil.  Nesse sentido, creio que falta conscientização, mas também um ato de justiça das classes mais abastadas brasileiras de reconhecer esses subsídios perversos da qual usufruem também neste atual sistema tributário altamente regressivo, para aceitar, como um grande avanço social, um sistema tributário mais progressivo, no sentido mais amplo do termo.

Quais as principais dificuldades para gerir uma empresa de EdC atualmente no Brasil?

As mesmas dificuldades de qualquer empresário brasileiro: o excesso de burocracia, altos impostos, custo elevadíssimo do crédito, legislação trabalhista extremamente antiquada e, também, essa cultura nefasta da corrupção nos mais diferentes âmbitos da vida econômica do País. É uma realidade extremamente difícil, mas devemos buscar atacar cada um desses grandes entraves de uma forma clara, prática e objetiva. Sem sombra de dúvidas, isso nos exige esforço e sacrifícios. Mas vale a pena.

 

Entrevista publicada no Jornal O SÃO PAULO - edição 3106 - 15 a 21 de junho de 2016