A dignidade do sepultamento Cristão

A A
O rito das exéquias e a oração da comunidade são essenciais no momento da morte
Publicado em: 01/11/2017 - 10:30
Créditos: Redação
Luciney Martins/O SÃO PAULO

A morte foi percebida, desde sempre, como um drama para a humanidade. Ao longo dos anos, muitas tradições foram sendo incorporadas ao velório e ao sepultamento, de acordo com a realidade cultural de cada país ou região. Mas, afinal, o que a Igreja Católica orienta para que uma pessoa seja sepultada dignamente?  Nos primeiros tempos do Cristianismo, por exemplo, os cristãos construíam igrejas sobre os túmulos dos santos e mártires e, assim, mantinham viva não só a memória daqueles santos, mas também a esperança na vida eterna. 


No dia 2 de novembro, toda a Igreja celebra a Comemoração dos Fiéis Defuntos, popularmente conhecido como Dia de Finados. Nessa data, muitas pessoas recordam, uma vez mais, seus entes queridos e por eles rezam. O Catecismo da Igreja Católica, dos artigos 1680 a 1690, fala sobre os funerais cristãos e indica que “todos os sacramentos, principalmente os da iniciação cristã, têm por finalidade a última Páscoa do Filho de Deus, aquela que, pela morte, o fez entrar na vida do Reino”. 

O texto continua recordando que “o sentido cristão da morte é revelado à luz do mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, em que repousa nossa única esperança”. Nessa perspectiva, a morte é sempre vista a partir da Páscoa de Cristo e, como disse Paulo à comunidade de Corinto, “assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem” (1 Coríntios 15, 20-21).

O Catecismo insiste, ainda, que a Celebração Eucarística é o “coração da realidade pascal da morte cristã”, mas que existem outros ritos realizados por ocasião dos funerais para que o mistério da morte seja iluminado pela Ressurreição de Cristo. “Ela [a Igreja] oferece ao Pai, em Cristo, o filho de sua graça e deposita na terra, na esperança, o germe do corpo que ressuscitará na glória. Essa oferenda é plenamente celebrada pelo Sacrifício Eucarístico. As bênçãos que a precedem e a seguem são sacramentais.” 

Dois são os objetivos principais da Igreja ao realizar o rito das exéquias: “exprimir a comunhão com o defunto e fazer a comunidade reunida participar das exéquias e lhe anunciar a vida eterna”. As missas – de corpo presente ou as de aniversário de sétimo ou trigésimo dia –  também são, de acordo com o Catecismo, “um acontecimento que deve fazer ultrapassar as perspectivas deste mundo e levar os fiéis às verdadeiras perspectivas da fé em Cristo Ressuscitado”.

 Já os costumes como a colocação das coroas de flores, o tempo destinado ao velório ou outros tipos de homenagens não fazem parte das orientações da Igreja acerca dos rituais de despedida. Eles são organizados de acordo com a disponibilidade de cada grupo familiar ou comunitário.

 

Dignidade sim, exagero não

Quando Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, morreu, vítima do terremoto que aconteceu no Haiti, em janeiro de 2010, seu corpo foi translado para o Brasil, onde aconteceu o funeral. Os familiares, comovidos e emocionados pela morte de uma pessoa tão conhecida e amada, pediram que todos os que tivessem o desejo de prestar uma homenagem a ela destinassem o dinheiro que, provavelmente, seria gasto na compra de flores, para a conta da Pastoral da Criança. O pedido foi atendido e a Pastoral arrecadou um valor significativo para dar continuidade à missão do organismo junto as crianças de todo o Brasil. 

Rafael Alberto, 33, passou por uma experiência que o fez pensar sobre o quanto a carga emocional vivida no momento da morte de um ente querido pode fazer com que as pessoas se preocupem mais com questões práticas e materiais do que com as questões espirituais. 

Quando morreu seu tio-avô, na manhã do dia 15 de outubro, Rafael ficou, durante todo o dia, tratando de questões, como a espera da liberação do corpo do Instituto Médico Legal (IML) e do atestado de óbito. “Quando, às 20h, fui até a agência para realizar a escolha da urna funerária e a taxa de sepultamento, no nosso caso, do crematório, eu estava exausto e nem questionei ao agente que me ofereceu os pacotes qual era o valor de cada item. Sei que o conjunto dos serviços ficou em torno de R$ 2 mil – o pacote mais barato. Uma parte – R$ 932 – eu paguei ali e a outra deveria pagar no local onde seria o velório”, contou Rafael à reportagem. 

Quando Rafael e seus familiares chegaram ao lugar do velório era quase meia-noite e apenas às 2h viria o carro que levaria o corpo para o Crematório de Vila Alpina. “Antes de chegarem as flores, perguntei aos funcionários que estavam colocando o caixão na sala, para quem eu deveria pagar o restante e eles me mostraram o recibo onde constava que todas as taxas estavam já pagas. O valor que faltava, de R$ 1 mil, era pelo serviço de floricultura. Foi quando me dei conta de que pagaria R$ 1mil por duas coroas de flores que seriam colocadas numa sala minúscula e ficariam ali por não mais que duas horas. Quando as flores chegaram, não duvidei. Disse que não tinha ficado claro para mim que pagaria tanto por aquele serviço e o dispensei”, continou.

Depois de uma conversa com o dono da floricultura, o serviço foi enfim dispensado e, logo em seguida, chegou o carro que faria o translado do corpo. “Quando passou tudo, me dei conta de que o caixão e todas as taxas – como o transporte, a cremação, as velas e até mesmo as flores postas sobre o corpo ou o véu que foi colocado sobre o rosto do meu tio – ficaram no valor de R$ 932. Pensei em quanto, por desconhecimento, as pessoas acabam pagando muito mais e não têm noção sobre o quanto, de fato, custa realizar um funeral na cidade de São Paulo”. 

Rafael comentou, também, que, ainda hoje, para muitas pessoas, a dignidade e a homenagem prestada à uma pessoa querida são medidas pelo luxo do caixão ou o tipo de flores colocadas ao redor do morto. “Nós chamamos um padre para que ele realizasse o rito das exéquias e todos estávamos muito unidos naquele momento. Tudo foi simples, mas bonito e digno e a situação me fez pensar muito sobre o quanto as pessoas podem até ser enganadas, porque, no momento de dor e emoção, nem sabem exatamente o que estão pagando”, comentou ao O SÃO PAULO.

 

Máfia das funerárias em São Paulo

Desde 2012, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) investiga pessoas que podem estar envolvidas na “máfia do serviço funerário na cidade de São Paulo”. De acordo com a reportagem publicada em junho de 2015, pelo site de notícias G1 , o que acontece é a ação de atravessadores que “tentam ganhar dinheiro oferecendo a quem perdeu parentes ou amigos serviços funerários mais caros e feitos por empresas particulares, o que é considerado ilegal [pois no município de São Paulo este serviço é prestado exclusivamente pela Prefeitura]. A ação acontece em agências funerárias municipais, cemitérios, hospitais e ocorre com a ajuda de funcionários públicos”. 

A reportagem procurou o Ministério Público de São Paulo para saber sobre o andamento da investigação e recebeu a seguinte resposta, via assessoria de imprensa: “Chegou até o MPSP uma representação no dia 15 de setembro [de 2017] para apurar o Serviço Funerário de São Paulo em relação ao favorecimento a cooperativas funerais. A apuração está no começo para cumprimento de algumas diligências. Ainda não é inquérito civil e sim representação.”  Sobre a investigação que começou em 2012, não houve resposta até o fechamento desta edição.

 

A Igreja Católica proíbe a cremação? 

Quando o assunto é morte, muitas dúvidas surgem e algumas delas precisam ser respondidas com rapidez para ajudar familiares e amigos a compreenderem e viverem o momento do luto, para além do desespero ou da dor.

Uma questão que tem sido vivenciada pelas famílias, principalmente nas grandes cidades, é a opção por sepultar ou cremar o corpo do falecido. Na cidade de São Paulo, para as famílias que não têm jazigos próprios, a Prefeitura disponibiliza covas em cemitérios que devem ser utilizadas por prazos determinados. Após um tempo de três anos, por exemplo, a família precisa retirar os restos mortais – caso o corpo já tenha se decomposto inteiramente – e dar outra destinação para os ossos.

Em relação à cremação, contudo, no dia 25 de outubro de 2016, a Congregação para a Doutrina da Fé emitiu a Instrução Ad resurgendum cum Christo (para ressuscitar com Cristo), sobre o sepultamento dos falecidos e a conservação das cinzas da cremação.

Na apresentação da Instrução, o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Gerhard Müller, explicou que a norma vigente em matéria de cremação de cadáveres é regulada pelo Código de Direito Canônico e diz que “a Igreja recomenda vivamente que se conserve o piedoso costume de sepultar os corpos dos defuntos, mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã”.

A Igreja recomenda, contudo, que os corpos dos falecidos sejam sepultados no cemitério ou num lugar sagrado. Em entrevista ao O SÃO PAULO , escrita logo após a publicação da Instrução, em novembro de 2016, o Cônego Antonio Manzatto, Doutor em Teologia e Professor da PUC-SP, falou sobre a importância de se tratar, com o máximo respeito, os restos mortais de uma pessoa. “É verdade que as pessoas não estão resumidas no corpo, mas o corpo foi a sua maneira de estar no mundo. Portanto, respeitar seus restos mortais é, de alguma forma, respeitar as pessoas e sua dignidade”, explicou.

Na ocasião, ele disse, ainda, que “se tratamos de qualquer maneira os restos mortais, isso significa que não valorizamos nada daquilo que está no mundo. E a Igreja sempre foi favorável de que se valorizem as coisas que estão no mundo, uma vez que o ser humano existe nele. É uma maneira de ter presente que o mundo não começou conosco. Não somos as primeiras pessoas do mundo, viemos não só de alguns lugares, mas de algumas pessoas, de seus projetos e suas ideias. Nós somos antecedidos por pessoas que prepararam o mundo, que nos testemunharam sua fé. Respeitar seus restos mortais é uma forma de respeitar sua memória”, acrescentou o Cônego.

 

Sobre a Conservação Das Cinzas

•  Em relação ao sepultamento, a Igreja recorda que independentemente da escolha feita – enterro do corpo ou cremação – não se pode ofender os ritos próprios, ou seja, comportamentos e ritos que envolvam concepções errôneas sobre a morte: seja o aniquilamento definitivo da pessoa; seja o momento da sua fusão com a mãe natureza ou com o universo; seja como uma etapa no processo da reencarnação; seja ainda, como a libertação definitiva da “prisão” do corpo;
•  Outra recomendação é a de que as cinzas sejam conservadas, por norma, num lugar sagrado, isto é, no cemitério ou, se for o caso, numa igreja ou num lugar especialmente dedicado a esse fim determinado pela autoridade eclesiástica. A conservação das cinzas em casa não é consentida. Somente a Conferência Episcopal ou o Sínodo dos Bispos das Igrejas Orientais poderão autorizar a conservação das cinzas em casa em casos especiais;
•  As cinzas, por sua vez, também não podem ser divididas entre núcleos ou membros familiares, e deve ser sempre assegurado o respeito e as adequadas condições de conservação delas;
•  Por fim, não é permitida a dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água ou em qualquer outro lugar. Exclui-se, ainda, a conservação das cinzas cremadas sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalharia ou em outros objetos.

 


Quanto Custa morrer em São Paulo?

As informações sobre os custos da realização de funerais na Capital Paulista estão disponíveis no site da Prefeitura. Ao procurar por “Serviço Funerário” e clicar em “tabela de preços”, o usuário terá a opção de acessar as páginas do Diário Oficial da União, onde estão publicados os valores. O preço de uma urna funerária, por exemplo, varia de R$ 138 a R$ 10.889, e as demais taxas estão relacionadas proporcionalmente ao valor da urna. O atestado de óbito é sempre gratuito, além disso, as pessoas que comprovarem baixa renda e não tiverem condições de arcar com as despesas de funeral são dispensadas das taxas. Com um valor em torno de R$ 1 mil é possível pagar todas as despesas com velório e sepultamento ou cremação.