Cardeal Ouellet: ‘O Batismo é o fundamento da nossa igual dignidade de filhos de Deus’

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Afirmou o Cardeal Marc Ouellet, prefeito emérito do Dicastério para os Bispos, em conferência acadêmica na Faculdade de Teologia da PUC-SP
Publicado em: 13/03/2024 - 16:15
Créditos: Redação

“O sacerdócio batismal e a complementaridade da vocação matrimonial e da vida consagrada com o sacerdócio fundamental” foi o tema da conferência acadêmica do Cardeal Marc Ouellet, Prefeito Emérito do Dicastério para os Bispos, na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na segunda-feira, 11.

O Purpurado canadense, que também foi Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, está no Brasil para o lançamento da obra “Para uma teologia fundamental do sacerdócio”, que reúne as atas do Simpósio Internacional realizado no Vaticano em fevereiro de 2022, promovido pelo Cardeal Ouellet e pelo Centro de Pesquisa e Antropologia das Vocações.

O evento acadêmico integrou a comemoração dos 75 anos da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, e contou com a presença do Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo e Grão-chanceler da PUC-SP, além de bispos auxiliares da Arquidiocese e bispos das dioceses da Província Eclesiástica de São Paulo.

“O aprofundamento da relação entre as duas participações – batismal e ministerial – no único sacerdócio de Cristo é fundamental para renovar a missão da Igreja no espírito de abertura e diálogo do Concílio Vaticano II”, destaca a apresentação do livro, que sintetiza a conferência do Cardeal Ouellet.

POVO SACERDOTAL

O Conferencista enfatizou que a missão da Igreja não é primariamente clerical, mas batismal, fundamenta-se no dom do Batismo, envolvendo o testemunho dos batizados que constituem a grande maioria do povo de Deus no seu percurso histórico.

“O ministério profético, sacerdotal e pastoral dos bispos e dos padres existe para que as comunidades cristãs possam exercer um sacerdócio na sociedade, para que possam ser mediadoras da graça e da esperança. A Palavra de Deus e os sacramentos são dados com este objetivo preciso. Por isso, o apelo do Papa Francisco a uma conversão missionária da Igreja sugere, sobretudo, a imagem de um povo em movimento, missionário, que leva a luz do Evangelho às nações”, acrescentou.

O Cardeal Ouellet convidou os presentes a olharem para o futuro, alargando a perspectiva vocacional do sacerdócio dos padres em direção ao sacerdócio comum dos batizados. “Quando se fala de sacerdócio em um contexto católico, pensa-se imediatamente e exclusivamente no sacerdócio dos ministros ordenados, sejam eles bispos, padres ou diáconos. É como se o Concílio Vaticano II não tivesse dado seguimento à sua afirmação do sacerdócio comum dos batizados”, afirmou, citando o seguinte trecho da constituição dogmática Lumen gentium:

“Cristo Nosso Senhor, Pontífice escolhido entre os homens (cf. Hb 5,1-5), fez do novo povo um ‘reino sacerdotal para seu Deus e Pai’ (Ap 1,6; cfr. 5,9-10). Na verdade, os batizados, pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual, sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam sacrifícios espirituais e anunciem os louvores daquele que das trevas os chamou à sua admirável luz (cf. 1 Pd 2,4-10)”.

IGREJA MINISTERIAL

“Os leigos são a grande parte do povo de Deus, mas terão consciência de que lhes foi confiada uma missão no mundo?”, indagou o conferencista, ressaltando a necessidade de compreender a dimensão ministerial da Igreja, para que se compreendam a sinodalidade eclesial a partir dos seus múltiplos ministérios hierárquicos, catequéticos, caritativos, carismáticos, de acordo com o papel e a função de cada um no conjunto da comunidade.

Nesse sentido, o Cardeal Ouellet alertou para o risco da clericalização, enfatizando que essa não é a realidade que afeta apenas os clérigos, mas também os próprios leigos. “Seria melhor caminhar para uma Igreja inteiramente sacerdotal e missionária, porque o Batismo é o fundamento da nossa igual dignidade de filhos de Deus e de nosso apelo à santidade”.

O sacerdócio de Cristo, portanto, é participado de duas maneiras na Igreja. “Em primeiro lugar, por meio do Batismo que nos torna membros de seu corpo. Em segundo lugar, por meio do sacramento da Ordem, que estabelece alguns como ministros de Cristo cabeça, isto é, com sinais sacramentais de Cristo Senhor como chefe, o esposo da Igreja, seu corpo”, explicou o Purpurado.

Os ministros ordenados, então, têm a missão de acompanhar, guiar e alimentar a comunidade dos batizados por meio da pregação da Palavra de Deus e do dom dos sacramentos. “Deste modo, a Igreja participa na mediação de Cristo de duas maneiras”, completou.

BATISMO

“Já se pensou na relação entre essas duas formas de participação do único sacerdócio de Cristo no decurso da formação inicial e permanente dos padres? Estão os leigos envolvidos na Igreja e no mundo em virtude do seu Batismo ou estão apenas em virtude de uma espécie de envolvimento sociológico devido à cultura católica dominante? Como se vive o testemunho do Evangelho na família, no trabalho, nas relações sociais e até no empenho político?”, questionou o Cardeal.

Dom Marc acrescentou que, durante o simpósio realizado em 2022, constatou-se que o Concílio Vaticano II ainda não foi inteiramente aplicado no que se refere à mediação da Igreja como sacramento de salvação. “Perguntamo-nos se não teria chegado a hora de o Cristianismo voltar-se para uma Teologia fundamental do sacerdócio que recoloque o ministério hierárquico como serviço, devolvendo ao sacerdócio comum dos batizados o seu devido lugar”, afirmou.

Por fim, o conferencista reforçou que o Concílio Vaticano II convida a alargar a visão do sacerdócio, reenquadrando o sacerdócio hierárquico ao serviço do sacerdócio filial e fraternal dos batizados. “Essa perspectiva sacerdotal aponta o caminho para a conversão missionária da Igreja, porque essa perspectiva revaloriza a comunhão eclesial como sendo essencialmente missionária e, ao mesmo tempo, desperta o sentido da vida como vocação e a alegria da existência cristã”, concluiu.

HOMENAGEM

No fim do evento, o Cardeal Ouellet foi homenageado com a Medalha São Paulo Apóstolo, entregue pelo Cardeal Scherer em reconhecimento à importante contribuição acadêmica do canadense à Igreja em São Paulo com sua visita e com a conferência ministrada.

No domingo, 10, o Cardeal Marc Ouellet, Prefeito Emérito do Dicastério para os Bispos, presidiu a missa do 4º Domingo da Quaresma na Catedral da Sé. A Eucaristia foi concelebrada pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo. Na homilia, o Cardeal Ouellet recordou que o grande anúncio da liturgia desta data é que: “Deus é rico em misericórdia. Quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, Ele nos deu a vida com Cristo”.