Católicos testemunham o Mistério da Fé ao longo da história

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A festa de Corpus Christi se estendideu para a Igreja no mundo todo apenas em 1317, por decreto do Papa João XXII.
Publicado em: 06/06/2018 - 14:15
Créditos: Redação

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Pelas ruas e avenidas de grandes cidades ou de vilarejos de várias partes do Brasil e do mundo, algumas cenas se repetiram em 31 de maio. Pessoas em procissão, geralmente com velas acesas, acólitos ou ministros com incenso e sinos sobre tapetes coloridos e ornamentados, como que abrindo caminho para alguém importante que estava chegando. Algumas pessoas que passam desavisadas pelas ruas, ou estão dentro dos carros e ônibus aguardando a liberação do trânsito, olham com curiosidade para entender qual o motivo dessa manifestação que não é política, nem simplesmente cultural, mas de fé. Logo avistam que, mais do que uma imagem sacra, aquelas pessoas seguem acompanhando o que aparenta ser um pão levado por um sacerdote, em alguns casos, sobre o carro. Na verdade, caminham em procissão, portando o grande mistério da fé cristã: o Deus que cumpre a sua promessa de permanecer com aqueles que o seguem até o fim dos tempos. É o próprio Cristo, verbo encarnado, no seu corpo, sangue, alma e divindade: a Eucaristia.

Assim, desde o século XIII, os católicos celebram a festa de Corpus Christi, isto é, a Solenidade do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta é, pela tradição, a única ocasião oficial em que o Santíssimo Sacramento sai em do interior das igrejas para ser exposto publicamente nas ruas. 

Embora tenha sido adotada oficialmente em 1264, pelo Papa Urbano IV, essa tradição eucarística remonta o século anterior, em Liège, na Bélgica, onde surgiu o movimento eucarístico que também popularizou a exposição e bênção do Santíssimo Sacramento fora da missa. Lá aconteceu a primeira procissão eucarística dentro da igreja, em 1230. Em 1247, foi realizada a primeira procissão com o Santíssimo Sacramento pelas ruas de Liège, já como festa da diocese. Depois, tornou-se festa nacional na Bélgica. Pouco tempo depois do decreto de Urbano IV, a festa de Corpus Christi pouco se difundiu, sendo estendida para a Igreja no mundo todo apenas em 1317, por decreto do Papa João XXII. 

 

COMBATE ÀS HERESIAS

Os movimentos de devoção eucarísticas, surgidos nos séculos XII e XIII, também foram reações contras algumas heresias que surgiam entre cristãos a respeito do mistério eucarístico. Essas heresias difundiam uma compreensão de que a Eucaristia não passava de um mero símbolo do gesto de Jesus Cristo na última ceia. Como resposta a essas heresias, o Papa Urbano IV, ao instituir a festa de Corpus Christi, afirmou: “Ainda que renovemos todos os dias na missa a memória da instituição desse Sacramento, estimamos, todavia, conveniente que seja celebrada mais solenemente pelo menos uma vez ao ano para confundir particularmente os hereges; pois na Quinta-feira Santa, a Igreja ocupa-se com a reconciliação dos penitentes, a consagração do santo Crisma, o lava-pés e muitas outras funções que lhe impedem de voltar-se plenamente à veneração desse mistério”. 

Além das heresias antigas, Corpus Christi chama a atenção do povo de Deus para o cuidado e o zelo pela Eucaristia, muitas vezes esquecidos pela influência da secularização. Na Encíclica Ecclesia de Eucharistia(2003), São João Paulo II ressaltou que “a devota participação dos fiéis na procissão eucarística da solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é uma graça do Senhor que anualmente enche de alegria quantos nela participam”. O Santo Padre alertou, ainda, que nos dias de hoje, há lugares onde se verifica um abandono quase completo do culto de adoração eucarística. Num contexto eclesial ou outro, existem abusos que contribuem e, às vezes, transparece uma compreensão muito redutiva do mistério eucarístico, “despojado do seu valor sacrificial, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e o valor de um encontro fraterno ao redor da mesa”.

 

PROCISSÕES

Nenhum dos dois decretos fala da procissão eucarística como um aspecto da celebração de Corpus Christi. Porém, essas procissões foram dotadas de indulgências pelos Papas Martinho V e Eugênio IV e se fizeram bastante comuns a partir do século XIV. Foi o Concílio de Trento (15451563) que introduziu na Igreja o costume anual de levar o Santíssimo em procissão pelas ruas e lugares públicos nessa solenidade celebrada sempre na quinta-feira após a oitava de Pentecostes. Essa é, portanto, a única procissão em que o próprio Senhor sai às ruas para abençoar as pessoas, as famílias e a cidade.

Em muitos lugares, criou-se o costume de enfeitar as casas com oratórios e flores, e as ruas com tapetes ornamentados para a passagem de Jesus Eucarístico. Utilizando diversos tipos de materiais, como serragem colorida, borra de café, farinha, areia e alguns pequenos acessórios, como tampinhas de garrafas, flores e folhas, as pessoas montam, com grande arte, um tapete pelas ruas, formando desenhos relacionados ao Santíssimo. Há comunidades que unem à tradição gestos concretos de solidariedade, confeccionando tapetes feitos com roupas, mantimentos e doações, que depois são destinados as pessoas carentes. Há paróquias que convidam os fiéis a levarem os tapetes que decoram suas residências para ornamentar o caminho da procissão como sinal da presença do próprio Cristo em seus lares.