Chamados a dar a vida toda pelo Reino de Deus

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O desejo de deixar tudo para dedicar-se totalmente à contemplação de Deus surgiu nos primeiros séculos do cristianismo.
Publicado em: 24/08/2016 - 14:45
Créditos: Fernando Geronazzo e Nayá Fernandes

Consagrar a vida toda a Deus para viver de maneira radical a graça recebida no Batismo. Esta é a vocação dos aproximadamente 1,2 milhão de religiosos consagrados, entre homens e mulheres, que existem no mundo. No Brasil, os cerca de 40 mil consagrados foram homenageados no terceiro domingo de agosto, 21, mês vocacional. 

O desejo de deixar tudo para dedicar-se totalmente à contemplação de Deus surgiu nos primeiros séculos do cristianismo. Com o passar do tempo, esses consagrados, que em muitos casos viviam sozinhos, como eremitas, começaram a se reunir em comunidades e a viver de uma maneira “ordenada”, segundo uma regra de vida, dando origem às primeiras ordens religiosas. 

“O que nos diferencia dos demais cristãos é justamente a reserva total para o serviço do Reino. Porque a missão de evangelizar, profetizar, de anunciar o Evangelho é de todo o batizado. Nós, religiosos, nos consagramos totalmente para essa missão. Enquanto leigo tem a sua missão temporal, sua família, trabalho, outras situações que o absorvem”, explica a Irma Maria Inês Vieira Ribeiro, presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB).

Diferentemente dos ministérios ordenados dos diáconos, padres ou bispos, a consagração religiosa não se dá por um sacramento, mas por meio da profissão pública dos três votos ou conselhos evangélicos: castidade, pobreza e obediência. Além desses votos, existem os chamados “votos protetivos” que auxiliam na aplicação dos três votos fundamentais. Por exemplo, os monges beneditinos fazem os votos de estabilidade. Embora seja um ato pessoal, a consagração não é algo privado, mas é acolhido pela Igreja por meio da família religiosa que a reconhece. Existem congregações masculinas que têm entre seus membros sacerdotes, que além de professarem os votos recebem o sacramento da Ordem. 

Famílias religiosas 

Os consagrados se reúnem em grupos e famílias religiosas segundo um carisma específico. “O carisma é um dom do Espírito Santo dado a um fundador para iniciar uma comunidade de vida consagrada com uma determinada missão na Igreja. Há carismas dedicado à educação, cuidado dos enfermos, aos mais necessitados, à comunicação, ao anúncio do Evangelho, etc.”, esclarece Dom Julio Endi Akamine, bispo auxiliar de São Paulo e referencial para a vida consagrada na Arquidiocese. “Do ano 400 até hoje, surgiram inúmeras famílias religiosas. Algumas deram seu contributo por um tempo e desapareceram, outras surgiram posteriormente com novos. Assim, vemos que a fecundidade o Espírito não termina”, acrescenta Irmã Maria Inês.

Até a promulgação do novo Código de Direito Canônico, em 1983, as famílias religiosas se distinguiam de acordo com a modalidade canônica dos votos que professavam. O instituto de vida religiosa no qual o membro fazia votos solenes era denominado ordem, enquanto o instituto no qual se professava o voto simples era chamado congregação. Hoje não há mais essa diferença, sendo que o Código agrupa congregações e ordens sob o título “institutos de vida religiosa”, os quais, ao lado dos institutos seculares, pertencem à categoria dos “institutos de vida consagrada” (leia mais no quadro desta página). Por tradição, consideram-se ordens aqueles institutos que receberam já essa denominação, por professarem os votos solenes, que, à época, eram diferentes dos simples, tais como as ordens dos Beneditinos, Carmelitas, Franciscanos, Dominicanos, entre outros, sendo o último deles a Companhia de Jesus (Jesuítas). Historicamente, todos os institutos posteriores, se eram de vida religiosa, foram denominados congregações.

Vocações 

Ao falar sobre a significativa diminuição do número de vocações à vida consagrada, Irmã Maria Inês reconhece que se vive um período de crise na vida religiosa, sobretudo nos institutos que têm mais tempo de vida. “Porém, estamos percebendo um florescimento de vocações. Inúmeros grupos novos com muitos jovens. Claro que ainda frágeis devido à sua formação. Mas conseguimos ver claramente que Deus continua suscitando”, diz. Hoje em também há o surgimento das novas comunidades nas quais, em alguns casos, existem formas de consagração, mas não constituem um instituto de vida consagrada. “Percorrendo o Brasil eu sinto um certo reflorescimento. Os institutos estão buscando uma renovação do seu carisma, começam a ter pessoas interessadas fortalecendo as suas fileiras”, salienta a presidente da CRB.

Dom Julio também destaca que a diminuição da adesão e transmissão da fé afeta diretamente a questão vocacional, mas aponta, ainda, um motivo social e cultural. “As famílias têm diminuído. Uma sociedade em que as pessoas tinham quatro, seis, até dez filhos, é diferente de uma sociedade em que as pessoas têm um único filho ou nem têm filhos”, afirmou.

 Aos 47 anos de consagração na Congregação das Mensageiras do Amor Divino, Irmã Maria Inês garante: “Vale a pena testemunhar a beleza do chamado à consagração total a Deus... É uma escuta dos apelos do Senhor. Fomos encontrados, alcançados e transformados por ele para levar ao mundo o abraço e a ternura de Deus. Precisamos ser mais próximos das pessoas, responder à inquietação que o mundo tem de vida e de felicidade. Ser consagrado a Deus é uma maravilha!”. 

As várias formas de vida consagrada

Assim como uma planta com muitos ramos, a Vida Consagrada apresenta-se historicamente de várias formas, que são distintas entre si, mas visam o mesmo objetivo, viver em Cristo e testemunhá-lo ao mundo, seja num mosteiro, na meditação e contemplação da Palavra de Deus ou nas sociedades, trabalhando em escolas, hospitais e em outros lugares. O texto a seguir é inspirado na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consegrata, do Papa João Paulo II, sobre a vida consagrada e sua missão na Igreja e no mundo.

Vida monástica

No Ocidente há uma grande variedade de expressões da vida monástica tanto no âmbito comunitário como no eremítico. Na sua forma atual, inspirada especialmente em São Bento, o monaquismo recolhe a herança de tantos homens e mulheres que procuraram a Deus e a ele se dedicaram. Esforçam-se para conciliar a vida interior e o trabalho, na clausura e dedicação assídua à meditação da Palavra, à celebração da liturgia e à oração.

A Ordem das virgens, os eremitas, as viúvas

Consagradas pelo Bispo diocesano, a Ordem das Virgens é composta de mulheres que contraem um vínculo particular com a Igreja, a cujo serviço se dedicam, sozinhas ou em comunidades.

Os eremitas, ligados a Ordens antigas ou a novos Institutos ou então dependentes diretamente do Bispo, testemunham a presença de Deus no mundo e a transitoriedade desta vida terrena. Hoje voltou a ser praticada a consagração de viúvas e viúvos. Estas pessoas, mediante o voto de castidade perpétua como sinal do Reino de Deus, consagram a sua condição para se dedicarem à oração e ao serviço da Igreja.

Institutos dedicados à contemplação

Os Institutos orientados completamente à contemplação, formados por mulheres ou por homens que, com sua vida e missão, imitam Cristo em oração e testemunham a encarnação de Deus sobre a história. Na solidão e no silêncio, pela oração e a comunhão do amor fraterno, orientam toda a sua vida e atividade para a contemplação de Deus. Oferecem assim à comunidade eclesial um testemunho singular do amor da Igreja pelo seu Senhor, e contribuem para o crescimento do Povo de Deus.

A vida religiosa apostólica

Floresceram, ao longo dos séculos, muitas outras expressões de vida religiosa, nas quais inúmeras pessoas, renunciando ao mundo, se consagraram a Deus, através da profissão pública dos conselhos evangélicos segundo um carisma específico e numa forma estável de vida comum, para um serviço apostólico pluriforme ao Povo de Deus. Temos, assim, as diversas famílias de Cônegos regulares, as Ordens mendicantes, os Clérigos regulares, e as Congregações religiosas masculinas e femininas, em geral, dedicadas à atividade apostólica e missionária e às múltiplas obras que a caridade cristã suscitou.

Os Institutos seculares

Os Institutos seculares, cujos membros pretendem viver a consagração por meio da profissão dos conselhos evangélicos no contexto das estruturas temporais, querem infundir na sociedade as energias novas do Reino de Cristo. Assim, contribuem para garantir à Igreja, segundo a índole específica de cada um, uma presença incisiva na sociedade.

As Sociedades de Vida Apostólica

Merecem, depois, uma especial menção as Sociedades de Vida Apostólica ou de vida comum, masculinas e femininas, que perseguem, com seu estilo próprio, um específico fim apostólico e missionário. Em muitas delas, assumem-se expressamente os conselhos evangélicos, com vínculos sagrados reconhecidos oficialmente pela Igreja.

Novas expressões de vida consagrada

Nas últimas décadas, depois do Concílio Ecuménico Vaticano II, apareceram formas novas ou renovadas de vida consagrada. Em muitos casos, trata-se de Institutos semelhantes aos que já existem, mas nascidos de novos estímulos espirituais e apostólicos. 

Publicado no Jornal O SÃO PAULO, Edição 3116/ 24 a 30 de agosto de 2016