Frei Galvão: santo, pastor e poeta

A A
Em 25 de outubro, a Igreja celebra a festa de Santo Antônio de Sant’Anna Galvão, o primeiro santo nascido no Brasil.
Publicado em: 26/10/2023 - 10:45
Créditos: Redação

Em 25 de outubro, a Igreja celebra a festa de Santo Antônio de Sant’Anna Galvão, o primeiro santo nascido no Brasil.

Popularmente invocado como Frei Galvão, o franciscano nascido em 1739, em Guaratinguetá (SP), e falecido em 1822, em São Paulo, onde foi canonizado em 2007 pelo Papa Bento XVI, é reconhecido pelos brasileiros como um intrépido pastor, defensor da liberdade religiosa, propagador da devoção à Imaculada Conceição e patrono dos arquitetos.

No entanto, esses não eram seus únicos dons. Frei Galvão também era um insigne poeta, chegando a ser um dos membros da primeira Academia Paulista de Letras, também conhecida como “Academia dos Felizes”.

Conta seus escritos biográficos, na ocasião da fundação dessa academia literária, em 25 de agosto de 1770, que houve uma sessão literária a pedido do então capitão-geral e governador da Capitania de São Paulo, Luís António de Sousa Botelho Mourão, grande devoto de Sant’Ana, a mãe da Virgem Maria, muito venerada pelos paulistas.

Entre os convidados para essa sessão estava Frei Galvão, conhecido por seus dotes literários e de orador famoso, por seu amor à natureza e às letras, notadamente à poesia. Nessa ocasião, o franciscano teria declamado, em latim, 16 peças de sua autoria, todas dedicadas a Sant’Ana, além de dois hinos, uma ode, um ritmo e 12 epigramas.

Esse fato, no entanto, assim como essas peças literárias, são praticamente desconhecidos do público e de difícil acesso. Porém, um artigo de Enio Aloisio Fonta, professor titular aposentado da Universidade Estadual Paulista (Unesp), publicado na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros em 1972, reproduziu e analisou essas peças, traduzidas para o português.

No artigo, ao elogiar o rigor métrico da poesia de Frei Galvão, o professor reconhece a presença de sentimentos religiosos e patrióticos do Santo.

LEIA, A SEGUIR, ALGUNS TRECHOS DAS POESIAS TRADUZIDAS DO LATIM:

Louvemos todos a genitora da Virgem Maria, que refulge com excelsa glória no ínclito altar do louvor. 
Ferida de celeste amor, exorta todos a desprezar o nocivo amor do mundo, e os convida aos bens celestiais.
Socorre aos suplicantes, e, colocada no alto do altar, goza da glória da terra e frui também as alegrias do céu.
Ó Ana, que clemente favoreces os mortais, nós te pedimos que por tua intercessão nos caiba em prêmio o céu.
[…]
Esta, que é Mãe da Senhora, e a qual, 
piedosamente cultuando, louvam as gentes pela cidade, mereceu, 
depois de elevada à Guia,
as supremas honras do louvor.
Sendo casta e prudente, humilde e pudica, deu à
luz uma filha pura e sem mancha, cujos membros humanos o ardente Espirito animou.
Pelo excelso mérito de Ana, frequentemente o céu alivia os membros lacerados que são restituídos à saúde, 
apesar das míseras manchas da culpa (pecado). Por isso, o nosso pio povo canta os obsequentes louvores, 
celebra as festas para que Ana clemente nos leve ao céu para toda a eternidade.
[…]
Que a Musageta convide presto, ao toque do ebúrneo plectro, suas companheiras para a dança em coro.
E que, sem cessar, as ondas de Aganipe fluam, como sons de plectro grave, em aplauso ao Príncipe.
Rorejem os estros que porfiam em aplaudir prazerosamente a beleza de Ana.
Esta é a Genitora da celeste Mãe de Deus, a quem louvam os Anjos com inefável culto, 
e cujos encômios se esforçam por exaltar uma plêiade de doutores, com sonora tuba;
não conseguindo, porém, louvá-la bastante, louvai-a vós, ó povos, em vossos corações, de preferência.
[…]
A venerável Mãe da Virgem é aclamada e amada
pelo povo que procura e visita os umbrais sagrados desta casa. 
Por isso, quero viver feliz de tudo neste lugar. 
Jamais o nosso amor definhará e cessará. 
Estás recebendo agora, ó Ana, Mãe da Virgem, o aplauso 
das horas deste ato, que traduz amor e aclamação. 
Cibele coroada é chamada mãe dos deuses, e desta mentira advém-lhe a falsa glória. 
Glória verdadeira cabe a ti, porque a Torre ebúrnea, tua Filha e excelsa Mãe, te cultua, ó Mãe Ana.
As altas estrelas espreitam no céu coruscante, quando rútila percorres a tua cidade, ó Ana. 
Por isso te admiram os povos e te chamam Lua; pois, à tua presença, as estrelas se reduzem ao céu.
[…]
A sorte estava no esconderijo, de cujo pó surgiu a bela imagem, agora descoberta graças unicamente ao céu. 
Assim, descoberta Ana qual tesouro (ó sonhos sãos!), todas as áureas riquezas aí foram descobertas, ó Governador!
Os povos com seu canto e o céu com seus astros louvam a Ana ao entrar no templo sagrado. 
A sorte prometida se realiza através de felizes indícios: Ana entra com bons presságios ou com boa estrela.
As belas estrelas te contemplam da soleira do céu, mirando com sua brilhante luz as tuas plenas faces. 
O povo te oferece as suas aclamações e te tributa os seus amores; e as campinas te ofertam suas rosas formosas. 
Elas florirão por intercessão de Ana, e fugirão das coisas profanas; 
a primavera é perene na minha cidade, ó Deusa nutriz de rebentos.
[…]
Ana acaba de encontrar um Chefe que lhe cuide das merecidas honras; em tempo algum, ó Chefe, te verás perdido!
Para entrares ligeiro no céu, digníssimo Príncipe, a Ana estás dando dinheiro, agora valioso pela tua piedade.
Sem dúvida, o Príncipe, o horrível e perverso inimigo, movendo guerras cruentas, odeia as tuas virtudes. 
Ele pula, pensando desprezar-te, vencido; mas esta firme salvação (Ana) te ajuda nos combate. 
Era o fogo da ambição que te jurara danos. Enquanto tu esplendes com os teus raios, ele se consome em seu fogo. 
O Príncipe feliz, jamais vencido em momentos decisivos, Ana é poderosa, porque é Mãe (da Virgem)!
[…]
Levantem-se em cruéis combates as falanges tartáreas, e a gente inimiga se precipite contra o nosso Chefe! 
Será sempre vitorioso, e sempre, sempre, haverá vitória: basta-lhe uma só poderosa, basta-lhe uma única salvação (Ana).
Aurora nas trevas, e astro no negro pó, sol obscurecido; negro dia se depara! 
Príncipe, quem ao dizer tais coisas poderia reter as lágrimas?
E quem, vendo-as, poderia abster-se de gemidos? 
Mas, eu te peço, detém teus passos já: por ti surge a ínclita luz, mais bela que a Aurora, os astros, o sol, o dia. 
Salve, ó Santa (Ana), digna da Mãe de Deus, grande glória desta estirpe regífica. 
Salve muitas vezes, salve cem e mil vezes, enquanto a Terra entoa mil vezes cantos mil.