Missão Belém amplia projetos no Haiti e acolherá, diariamente, 3 mil crianças

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O Cardeal Scherer visitou o Haiti entre os dias 29 de janeiro e 2 de fevereiro e rezou com crianças, voluntários, membros da Comunidade e funcionário
Publicado em: 13/02/2019 - 14:30
Créditos: Redação

“Quando chegamos, não havia nada em pé e o bispo local tinha morrido, vítima do terremoto, bem como a Doutora Zilda Arns. Então, foi-nos apresentada a região de Wharf Jeremie, que significa ‘Porto de Jeremie’. No início, ficamos três dias numa tenda oferecida pelo exército. Foi uma experiência muito difícil. Já se passaram quase nove anos a partir daqueles três dias. Desde então, muita coisa já mudou.”

Padre Gianpietro Carraro, fundador da Comunidade Missão Belém, foi ao Haiti em 2010, logo após o terremoto que devastou o País. Com a Irmã Cacilda da Silva Leste, iniciadora da Missão Belém ao lado do Padre Gianpietro e um voluntário, eles começaram um projeto que hoje atende 1.800 crianças de segunda-feira a domingo, durante dez horas diárias.

A inspiração para a ida da Comunidade ao Haiti veio a partir de uma frase dita pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, em fevereiro de 2010. “Por que vocês não vão ao Haiti? Com esse carisma de união e mergulho na realidade dos pobres, poderiam dar uma grande ajuda àquele povo sofrido”, disse o Cardeal, durante visita a uma das casas da Missão em São Paulo. Em novembro, a Missão Belém completa nove anos de missão no Haiti.

 

PROJETOS DESENVOLVIDOS PELA MISSÃO BELÉM

O Centro Zanj Makenson, mantido pela Missão Belém, desenvolve atividades e projetos na área da educação, saúde e profissionalização para os jovens.

A escola atende 1.800 crianças e adolescentes de 0 a 15 anos, desde o nascer até o pôr do sol. Além da catequese diária, os alunos têm atividades pedagógicas, esportivas e lúdicas, incluindo cinco refeições diárias.

Um prédio de dois andares está sendo construído e acolherá mais 700 crianças em dois turnos, com atividades pedagógicas e cursos profissionalizantes para jovens. “No conjunto, esperamos alcançar com o centro-escola 3 mil crianças/adolescentes nos próximos três anos, com idades entre 0 a 18 anos”, explicou Irmã Cacilda, em entrevista ao O SÃO PAULO.

Além disso, há um centro nutricional e uma enfermaria que acompanha cerca de 60 crianças com desnutrição. “Há muitas crianças que são encontradas nos barracos em situação de desnutrição grave. No centro, recebem cuidados médicos, alimentação e higiene. As mães têm orientações para o cuidado das crianças. Após ganhar peso e sair do quadro de desnutrição, vão para o berçário e jardim no centro- -escola”, explicou Irmã Cacilda.

O projeto mais recente é o hospital, que terá pelo menos 1.500 m2 , e vai compreender um pronto socorro, um bloco operatório para internação e uma maternidade.

CARA, CORAGEM E FÉ

Aos 45 anos, a missionária brasileira morou no Haiti durante um ano. “Voltei várias vezes para acompanhar o andamento e ampliação da evangelização e dos projetos. Vi a evolução das crianças. 1800 crianças não passam mais fome e se desenvolvem a cada dia, de maneira impressionante”, afirmou Irmã Cacilda.

“Andando pelas vielas no meio do labu (lama do esgoto), entrando nas kay tol (minúsculos barracos de lata), vendo um mar de crianças lambuzadas de esgoto e sem ter o que comer, roendo latinhas enferrujadas como vimos o pequeno Richinè aos três anos e que, hoje, aos 11 anos, estuda feliz aqui no centro; lembro-me de quando viemos aqui, há nove anos, com a cara, a coragem e a fé”, disse Irmã Cacilda.

Entre os dias 29 de janeiro e 2 de fevereiro, o Cardeal Scherer esteve no Haiti, onde visitou todos os projetos da Missão Belém, além de presidir a missa todos os dias da visita e rezar a oração da Via-Sacra com as crianças atendidas pelo Centro e seus familiares nas vielas da favela (leia mais nas páginas 3 e 12). Dom Odilo encontrou-se com autoridades civis e religiosas e abençoou a primeira pedra do novo hospital e do centro-escola.

Ao refletir sobre o Evangelho em que Jesus compara o Reino de Deus com uma pequena semente, o Cardeal afirmou que o trabalho da Missão Belém é como essa semente, lançada ao coração das crianças. “Essa semente, um dia, vai produzir frutos. Por isso, semear com coragem e esperança. Tenham a certeza de que o Espírito de Deus fará frutificar essas sementes”, afirmou o Cardeal, durante a homilia da missa por ele presidida na sexta-feira, 1º, transmitida ao vivo pelas redes sociais da Missão Belém.

 

DA ITÁLIA AO HAITI

Daniele Bruschi, 43, é italiano e está no Haiti desde abril de 2015. Responsável pela administração e economia do Centro, Daniele realiza atividades como a compra de alimentos, pagamento de salários e manutenção das máquinas.

“Não escolhi ser missionário no Haiti, foi um chamado de Deus, uma vocação. Minha conversão começou há cerca de um ano e meio antes de partir para o Haiti, quando comecei a acreditar verdadeiramente na existência de Deus e entendi que a vida que eu levava não correspondia à vontade de Deus para mim. Durante uma peregrinação a Medjugorje, em agosto de 2013, senti um forte chamado de Deus pedindo-me para deixar tudo e segui-lo. Em outubro de 2014, deixei meu trabalho, minha casa, minha família e saí para visitar a Missão Belém na Itália, depois fui para o Brasil e, finalmente, vim para o Haiti, onde moro”, contou Daniele à reportagem.

Ao ser perguntado sobre como percebe a Missão Belém no Haiti, o Voluntário enfatizou que “a Palavra de Deus causará uma grande mudança na sociedade haitiana”. Além disso, ele citou as crianças atendidas no Centro e as 220 pessoas que trabalham e, portanto, podem manter suas famílias com o salário recebido.

“Todos os dias percebo a presença e ação de Deus em nosso Centro. Ver crianças brincando no canal de esgoto me dói muito, mas também me motiva a trabalhar com mais esforço e dedicação. São as crianças que me dão forças para continuar dando minha vida por elas todos os dias. Lembro-me de uma menina suja e desnutrida que me parou um dia perto do centro pedindo-me para deixá-la ir à escola. Depois de alguns meses, era outra pessoa, bem vestida e limpa. Ela não estava mais desnutrida e está alcançando excelentes resultados na escola”, contou Daniele.

SOBRE O PAÍS

Daniele Bruschi explicou que, atualmente, no Haiti, não há água encanada, eletricidade, saúde, comida e trabalho. “Há também enormes problemas com o gerenciamento de resíduos, as estradas são constantemente invadidas pelo lixo que, em seguida, atinge o mar durante as chuvas. Outro problema grave diz respeito à corrupção. É um problema de tais dimensões e tão enraizado que impede o desenvolvimento econômico e social do País. As estradas são muito irregulares e isso causa acidentes que são frequentemente graves ou mortais. A pobreza é grande e, muitas vezes, as pessoas não podem comer regularmente todos os dias. Em particular, as crianças são as que mais sofrem com essa situação de miséria”, disse.

O Voluntário italiano enfatizou também que, nos últimos tempos, há dificuldade em encontrar diesel e gasolina para geradores, além do gás para cozinha e até mesmo água. “As maiores lojas de alimentos permaneceram fechadas, aparentemente por um confronto com o governo. Há uma grande instabilidade política e econômica que leva a um aumento de episódios de violência”, afirmou Daniele.

Ele salientou, também, o fato de que ainda existem tantas pessoas analfabetas. “Sem educação, não é possível formar pessoas que possam trabalhar e construir uma família e uma sociedade melhor no futuro”, disse, recordando também a necessidade de que se estabeleça um sistema de saúde pública que permita aos haitianos tratarem a si mesmos e não morrerem “por uma simples infecção ou disenteria não tratada”

Nicola Casarin, engenheiro voluntário, salientouque o Haiti precisa, em primeiro lugar, de uma reforma política e cultural. “A sociedade vive contradições inimagináveis que levam a uma miséria e tiram a esperança e a possibilidade de vida de centenas de milhares de crianças em todas as partes do País. É necessário ajudar pessoas para que elas possam encontrar em si mesmas recursos e sair da pobreza.” Ele falou também sobre a corrupção generalizada em todos os níveis da sociedade, que está impedindo o desenvolvimento de um sistema produtivo econômico que funcione.

UM PAI MISSIONÁRIO

Nicola Casarin, 45, italiano, visita o Haiti regularmente por cerca de 15 dias a cada dois meses para acompanhar os projetos e o canteiro das obras das novas escolas e do novo hospital “Paolo Valle”, além da ampliação da primeira escola

Voluntário e membro da Missão Belém, Nicola é casado com Enrica e pai da Maria Clara, que tem 6 anos de idade. “Minha escolha de trabalhar em tempo integral na missão é, na verdade, uma escolha da família, porque no meu trabalho para o Haiti, tanto no período em que estou na Itália, quanto no período em que estou no Haiti, minha família está sempre em meu coração. Maria Clara sempre me pede que construa um parque com belos jogos para as crianças no Haiti”, recordou.

Para Nicola, o trabalho da Missão Belém é muito maior do que o que pode ser percebido de fora. “Os missionários doam o tempo e o coração pela causa e, assim, veem a mudança também dos seus próprios corações. Do Haiti você nunca volta para casa como antes”, afirmou o Engenheiro.

 

HISTÓRIA DE UM JOVEM HAITIANO

Muscadin Djorgenly, 22, nasceu em Porto Príncipe e mora em Wharf Jeremie. Atualmente, ele coordena uma atividade pastoral com crianças e trabalha na equipe de caridade da Missão Belém, que tem a função de buscar as crianças ausentes da escola.

“Comecei a participar da Missão Belém assim que eles chegaram aqui, frequentava o grupo de oração, que acontecia, às vezes, perto da minha casa. Com a Missão, aproximei-me realmente de Deus. Além disso, a Missão me ajudou dando um trabalho para minha mãe, que, assim, conseguiu me sustentar”, contou Muscadin, que também teve uma oportunidade de trabalho após terminar o período escolar.

Todos os dias, Muscadin anda pelos barracos em busca das crianças e, aos fins de semana, ajuda no trabalho pastoral. “A Missão transformou muitas coisas em minha vida, me ajuda a amadurecer no conhecimento da Palavra de Deus. Sou muito grato por ter conhecido a Missão Belém e poder fazer parte dela”, disse o jovem.