O nascimento de Jesus é cantado em todo o mundo

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Músicas clássicas e populares criadas ao longo dos séculos contam e recontam o mistério do nascimento do filho de Deus e ajudam as pessoas a viver o natal
Publicado em: 26/12/2018 - 11:00
Créditos: Redação

Quem poderia imaginar que um poema, musicado apenas algumas horas antes da Solene Vigília de Natal, na Áustria, iria se tormar uma das músicas natalinas mais conhecidas em todo o mundo? 

“Stille Nacht, heilige Nacht”, em Alemão, “Noite Feliz”, em Português, “Silent Night”, em Inglês, “Douce Nuit”, em Francês, já foi traduzida para 330 idiomas e dialetos. A canção de Natal foi criada porque, em 1818, o órgão da Igreja de São Nicolau, do povoado de 6 mil habitantes, Oberndorf, perto de Salzburgo, na região central da Áustria, estava danificado em virtude do transbordamento de um rio próximo. O Padre Joseph Mohr pediu a Franz Xaver Gruber, maestro e organista do povoado vizinho, que compusesse uma melodia para um poema de Natal que ele havia escrito dois anos antes. Assim, o Padre Joseph e Franz interpretaram, pela primeira vez, “Noite Feliz”, na missa do dia 24 de dezembro daquele ano. 

Em 1831, um coral que se dedicava a executar cantos populares incorporou a canção a seu repertório durante uma viagem pela Rússia. Dali, a canção viajou para Nova York, nos Estados Unidos, onde foi interpretada por um coral tirolês em 1839. 

Trinta e seis anos depois, a corte prussiana, que procurava a partitura original da canção, consultou o pároco de São Pedro de Salzburgo que, para surpresa geral, disse que Mohr e Gruber, mortos no anonimato em 1848 e 1863, respectivamente, eram os autores daquela canção. Hoje, cerca de 7 mil pessoas acompanham, ao ar livre, a missa de Natal ao lado da pequena Capela Memorial da Noite Silenciosa, tradução literal do título original em Alemão, construída por volta de 1920. A Igreja de São Nicolau foi demolida no começo do século XX devido a constantes alagamentos, por estar perto do rio Salzach. A atual Capela tem capacidade para cerca de 20 pessoas. 

 

PELO MUNDO

“Noite Feliz”, no entanto, não é a única canção natalina que se internacionalizou e é tocada, há séculos, no período natalino para recordar o grande acontecimento da encarnação e nascimento do Filho de Deus. A cantiga de Natal mais antiga que a história da música registra é “Iesus Refulsit Omnium” (Jesus, luz de todas as nações), que data do século IV e cuja letra é atribuída a Santo Hilário de Poitiers.

Músicas clássicas e populares foram sendo incorporadas, traduzidas e até mesmo adaptadas em diferentes países e culturas e fazem parte do patrimônio musical da humanidade. É o caso de “Jesus bleibet meine Freude”, em Alemão; em Português “Jesus, alegria dos homens”, que foi harmonizada por Johann Sebastian Bach, em 1716, em Leipzig, na Alemanha, e faz parte da Cantata nº 147 no catálogo completo das obras de Bach. 

Em entrevista ao O SÃO PAULO, Danilo Del Chiaro, Maestro do Coral e do Coro da Paróquia Nossa Senhora do Brasil, explicou que o tema natalino foi muito explorado por diversos compositores, tanto eruditos quanto populares. Ele citou diversas canções tradicionais que podem ser executadas durante as celebrações e que são acessíveis a corais menores e com integrantes sem formação musical aprimorada. “Alguns exemplos são ‘Adeste Fideles’ (‘Cristãos, vinde todos’); ‘Glória de Natal’ (‘Les anges dans nos campagnes’, conhecido também como ‘Vinde Cristãos, vinde à porfia’); ‘Noite Feliz’; ‘Rorate Caeli’ (‘Orvalhai, lá do alto’)”, recordou Del Chiaro

Na Espanha, por exemplo, os villancicos, que surgiram no século XV, começaram a ser usados para que o povo pudesse meditar sobre alguns episódios da vida de Jesus. Em Castelhano, a palavra villancicos deriva do termo cantigas da vila. A tradição popular levou a uma enorme produção e criatividade no gênero musical natalino não só no âmbito litúrgico. “Antón tiruriru”, canto muito conhecido na Colômbia, é, por exemplo, uma adaptação da cantiga catalã “La pastora Caterina”.

Em entrevista concedida ao portal Zenit, em dezembro de 2008, José Sole, integrante do coro Capela Musical Liberiana, da Basílica Santa Maria Maior, em Roma, explicou que as cantigas de Natal tinham um ritmo musical muito simples. 

A notícia recorda outro canto também muito conhecido em todo o mundo, sobretudo nos países de idioma Inglês, que é “Joy to the World”, escrito por Isaac Wats, inspirado no salmo 98 (“Cantai ao Senhor um cântico novo, porque Ele fez maravilhas”), cuja música é atribuída a Georg Friedrich Händel. 

Sole cita ainda “Vamos Pastorcitos” e “Huachito Torito”, populares na Argentina, e “Mi burrito sabanero”, da Venezuela. No Panamá, país que sediará a Jornada Mundial da Juventude em janeiro de 2019, “Dime niño de quién eres”, é muito conhecido e, em Honduras, “Caminando por Tegucigalpa”.

TU SCENDI DALLE STELLE

Na Itália, a cantiga mais conhecida é “Tu scendi dalle stelle” (Tu desces das estrelas), escrita por Santo Afonso Maria de Ligório, um dos doutores da Igreja. A canção foi composta em 1754 e sua origem está contada no site italiano Blog della Musica. O blog informa que a base para “Tu scendi dalle stelle” é um canto de língua napolitana que se chama “Quanno nascette Ninno” (Quando nasceu o Menino) também atribuída a Santo Afonso. O Santo teria composto “Tu scendi dalle Stelle em Deliceto”, no Convento da Consolação. 

 

LITURGIA

Ao responder à questão sobre como a música ajuda as pessoas a viverem melhor a liturgia, o Maestro Danillo Del Chiaro recordou que o “Credo” na noite de Natal prevê que todos se ajoelhem no artigo de fé sobre a encarnação de Jesus. “Geralmente, a tradição neste momento do canto gregoriano cede lugar à polifonia para retratar de maneira contemplativa o mistério que celebra. O Papa Bento XVI, por exemplo, gostava que se cantasse o “Et Incarnatus Est”, de Mozart, estendendo a frase “e se encarnou”. A riqueza da liturgia católica permite este tipo de ornamento em celebrações mais solenes. Outros exemplos podem ser as Antífonas do Ó, que fazem parte das vésperas da Liturgia das Horas, como “Ó admirável mistério” (antífona das I Vésperas de Santa Mãe de Deus) ou ainda o “Magnum Mysterium”, que narra a cena bucólica dos animais na manjedoura”, afirmou.

O Maestro disse ainda que, além das músicas específicas para o Natal, existe o canto das Kalendas, um anúncio natalino, que narra de forma histórica a vinda do Messias ao mundo.  “Situando o seu nascimento em meio aos acontecimentos da história humana, como a saída de Israel do Egito, a olimpíada de Atenas ou a fundação de Roma, as Kalendas lembram à humanidade que o Natal não acaba no dia 26 de dezembro, pois a Igreja celebra esse tempo até a comemoração do Batismo do Senhor, que ocorre após a Solenidade da Epifania”, explicou Del Chiaro.

Monsenhor Marco Frisina, compositor e maestro de Música Sacra, em seu site oficial, fala sobre um álbum feito por ele que recolhe cantos e textos escritos ao longo dos séculos sobre o mistério da encarnação de Deus. “A Igreja conservou numerosos textos poéticos que, com as Sagradas Escrituras, formam um esplêndido e riquíssimo repertório de oração que muito enriquece e continua a sustentar a fé dos crentes”, afirmou. 

“Ao musicar estes textos, quis exprimir, sobretudo, o aspecto alegre e luminoso do Natal, do ‘Verbo feito carne’; mas há também cantos que exprimem o aspecto contemplativo”, afirmou o Monsenhor. 

 

OURO, INCENSO E MIRRA

A canção “Ouro, Incenso e Mirra”, do Padre Zezinho, cantor e compositor brasileiro conhecido em todo o mundo, está no CD “Os melhores momentos”, da Paulinas Comep e foi composta em 1990. Padre Zezinho é autor ainda de muitas outras canções de Natal como “Feliz Natal”, de 1973; “Doces canções de Natal”, “Porque hoje é Natal” e “Noite Silenciosa de Natal”, todas do CD “Diante do Presépio”, de 2013. 

Assim como em outros países, a Solenidade da Epifania, celebrada em 6 de janeiro, recorda a manifestação de Deus e a visita dos três reis magos ao Menino Jesus. As Folias de Reis são muito comuns em todo o Brasil, sobretudo no Nordeste e nos Estados de Minas Gerais e São Paulo. A Folia de Reis é uma tradição brasileira com origens portuguesa e espanhola. Na Folia, grupos organizados de pessoas saem pelas ruas, visitando as casas e tocando músicas populares e entoando cânticos bíblicos em homenagem aos reis magos e ao nascimento de Jesus.