‘O Sínodo dos Bispos tem preocupação com todos os jovens’

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Filipe Domingues concedeu entrevista à Rádio 9 de Julho e ao Jornal O São Paulo, falando sobre sua participação no Sínodo dos Bispos
Publicado em: 11/10/2018 - 16:15
Créditos: Redação

Até o próximo dia 28, no Vaticano, acontece o Sínodo dos Bispos, com o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. 

Entre os leigos brasileiros que participam do Sínodo está o jornalista Filipe Domingues, 31. Ele é um dos colaboradores dos secretários especiais da assembleia sinodal. 

Doutorando em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, especialista em Ética da Mídia e colaborador do O SÃO PAULO, Filipe concedeu entrevista à rádio 9 de Julho e ao semanário da Arquidiocese de São Paulo, falando sobre sua participação no Sínodo dos Bispos e os principais pontos que deverão ser debatidos na atividade iniciada no último dia 3. 

A seguir, leia a entrevista, cuja íntegra pode ser vista em vídeo no facebook da Rádio 9 de Julho.

 

O SÃO PAULO – QUAIS OS PROPÓSITOS DA IGREJA AO ESCOLHER O TEMA “OS JOVENS, A FÉ E O DISCERNIMENTO VOCACIONAL” PARA ESTE SÍNODO DOS BISPOS?

Filipe Domingues – Trata-se de um tema amplo, porque se deseja falar de alguma forma para toda a Igreja e para quem está fora da Igreja. Na reunião pré-sinodal que estive em março e que me levou a ser convidado a participar agora do Sínodo dos Bispos, havia jovens do mundo inteiro, mais de 300 pessoas e outras 15 mil participaram pelo Facebook. Muitos nem católicos eram. Havia jovens de outras tradições cristãs, religiões e até alguns ateus. Havia quem já tinha passado por realidades difíceis, como o tráfico humano, e vítimas de exploração sexual, de modo que a variedade de experiências das pessoas era muito ampla. O Sínodo é dos Bispos. Os jovens são o tema. O Papa Francisco quis que os jovens fossem escutados. O tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional” leva a várias perguntas que foram apresentadas aos jovens no começo desse processo, e eles as responderam conforme cada realidade. O documento ao final da reunião pré-sinodal foi escrito pelos jovens que estavam ali, com base em tudo que se ouviu na reunião ao longo de uma semana.

 

DESSE DOCUMENTO PRÉ-SINODAL, QUE NÃO DEVE SER CONFUNDIDO COM O INSTRUMENTUM LABORIS , QUE SERIA PUBLICADO APENAS EM JUNHO, O QUE EMERGE SOBRE AS PERCEPÇÕES E A PREOCUPAÇÃO DOS JOVENS COM A IGREJA?

Das muitas coisas que emergem, uma que me marcou muito é que os jovens pedem uma Igreja autêntica. Essa palavra aparece várias vezes no documento da reunião pré-sinodal. Os jovens querem uma Igreja que viva aquilo que ela prega. Os jovens estão um pouco cansados de ouvir discursos bonitos, explicações prontas, nos moldes do “é assim, acredite”. É necessário que haja um processo de caminhar na fé, de entender essas respostas e senti-las também. Os jovens desejam que religiosos, padres e bispos sejam testemunhas daquilo que pregam e reconheçam eventuais erros, porque isso também é ser autêntico: uma Igreja que, quando comete erros, os reconhece e caminha para superá-los.

 

NO EVENTO PRÉ-SINODAL, OS JOVENS DEMONSTRARAM ALGUMA PREOCUPAÇÃO SOBRE O SOFRIMENTO DOS MAIS POBRES EM TODO MUNDO?

Sim. Os jovens demonstram preocupação com a questão migratória, um dos temas mais fortes sobre justiça social na Europa. O tema do trabalho também apareceu. Os jovens nunca tiveram tanta oportunidade como hoje em termos de acesso ao conhecimento e à formação, ainda que essas oportunidades sejam desiguais nos diferentes lugares do mundo. Antes, eles precisavam receber de outros esta formação; hoje, podem ir à internet para isso, mas, ao mesmo tempo, não encontram aquelas respostas que atendiam a geração de seus pais e avós, em termos de trabalho, de objetivo de vida, ou seja, o jovem tem uma capacidade enorme, energia, potencial, meios, mas ao se deparar com o mundo, ele se pergunta: “O que eu faço com isso? Eu sei tudo isso, mas onde eu vou trabalhar? O que eu vou fazer?”. Também a questão da pobreza apareceu nas conversas, algo que a Igreja aqui na América Latina já discutiu bastante. Quando as pessoas estão preocupadas primeiro em ter o que comer, elas, às vezes, não conseguem parar para pensar em Deus, elas precisam atender aquela necessidade material. 

 

E QUAIS FORAM AS BASES PARA A ELABORAÇÃO DO INSTRUMENTUM LABORIS DESTE SÍNODO DOS BISPOS?

Foram usadas quatro fontes principais para elaborar o Instrumentum laboris : uma foi a reunião pré-sinodal de março; outra, os questionários enviados para as conferências episcopais em todo o mundo; também as considerações das Igrejas orientais, pois não basta olhar a realidade ocidental; por fim, houve um evento que aconteceu antes da reunião pré-sinodal de onde saíram algumas sugestões.
 

OS DESTINATÁRIOS DESTE SÍNODO SÃO APENAS OS JOVENS CATÓLICOS?

O Sínodo dos Bispos tem preocupação com todos os jovens. É uma reflexão sobre o que a Igreja pode fazer para chegar a todos os jovens, inclusive os de outras religiões. No fundo, é um momento em que a Igreja para e pensa como atua. Neste momento, insere-se também a questão do discernimento vocacional. Na reunião pré-sinodal, os jovens manifestaram muito claramente que na Igreja a palavra vocação ainda está muito marcada com a vocação à vida consagrada, ao sacerdócio. Muitos jovens consideram bom que muitas pessoas entrem na vida consagrada, rezam pelas vocações, mas lembram que existem muitas outras vocações, de modo que o sentido de vocação precisa ser pensado de maneira mais ampla, um chamado profundo, de modo que mesmo quem não acredita em Deus ou em alguma religião tem uma vocação, um chamado que sai de dentro, aquela coisa sobre o que eu vou fazer na vida. Assim, os jovens dizem que é preciso pensar na vocação de forma mais ampla.

 

AO ACOMPANHAR AS NOTÍCIAS DO SÍNODO PELA MÍDIA CONVENCIONAL, QUAIS ATENÇÕES AS PESSOAS DEVEM TER?

A mídia secular geralmente enfatiza muito os temas polêmicos, as discussões mais polêmicas e nem sempre reflete aquilo que efetivamente foi discutido na assembleia sinodal. Não que não se deva falar de temas difíceis, mas tem de se apresentar as diferentes partes e de forma correta. Portanto, sugiro que as pessoas fiquem atentas ao que é o centro da discussão, como está descrito no tema: os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Podem surgir questões difíceis como a migração, a sexualidade, questões sobre trabalho, economia e família. Neste último tópico, o Sínodo dos Bispos sobre os jovens é uma continuação do Sínodo sobre a família, pois não há como olhar os jovens fora do contexto familiar. 

 

EM SETEMBRO, O PAPA FRANCISCO PUBLICOU A CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA EPISCOPALIS COMUNIO, SOBRE A FUNÇÃO E ESTRUTURA DO SÍNODO DOS BISPOS. ESSA CONSTITUIÇÃO APONTA PARA A POSSIBILIDADE DE QUE O DOCUMENTO FINAL DE CADA SÍNODO JÁ POSSA SER CONCLUSIVO, SEM QUE HAJA A NECESSIDADE DA PUBLICAÇÃO DE UMA EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL. PODE NOS EXPLICAR MELHOR ESSA MUDANÇA?

Ao final do Sínodo, vai ser publicado um documento redigido por seus participantes e caberá ao Papa decidir se simplesmente assina embaixo sobre o conteúdo que ali está, tornando-se esse documento o resultado final e, portanto, Magistério da Igreja, o que dispensaria uma nova redação a ser feita pelo Pontífice; ou o Papa pode decidir por pensar melhor sobre algum tema específico tratado no Sínodo para enfatizar algum aspecto e contextualizá-lo melhor. É uma decisão a ser tomada apenas pelo Papa, e ainda não se sabe como ele irá proceder.