Sacerdotes com o coração de Cristo

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A vocação sacerdotal é recordada no primeiro domingo de agosto
Publicado em: 04/08/2023 - 18:00
Créditos: Redação

No primeiro domingo de agosto, mês dedicado às vocações no Brasil, recorda-se a vocação dos sacerdotes, devido à proximidade da memória litúrgica de São João Maria Vianney, patrono dos padres, comemorada no dia 4. Essa é ocasião não apenas de rezar para que Deus suscite novas vocações ao sacerdócio, como também para que padres reflitam sobre a graça do chamado de Deus para esse ministério.

No Novo Testamento, todas as prefigurações do sacerdócio do Antigo Testamento encontram sua realização em Jesus Cristo, “único mediador entre Deus e o homens” (1Tm 2,5). Significa que Jesus, Filho de Deus, que assumiu a condição humana, ao ser crucificado, ofereceu-se a si mesmo como único e eterno sacrifício, sendo, ao mesmo tempo, altar, vítima e cordeiro.

MEDIADOR

O Catecismo da Igreja Católica recorda que Cristo, sumo sacerdote e único mediador, fez da Igreja “um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai”, pelo chamado sacerdócio comum dos fiéis. No entanto, entre os fiéis, alguns participam, por meio do sacramento da Ordem, do sacerdócio ministerial, configurando a Jesus Cristo, cabeça do seu corpo místico que é a Igreja. Pela Ordem, os bispos, sucessores dos apóstolos, e os presbíteros (padres) são configurados a Cristo Sacerdote para sacramentalmente agirem na sua pessoa (in persona Christi).

É também por sua configuração a Cristo que os padres consagram toda a vida ao exercício do sacerdócio por meio do celibato, seguindo o exemplo do Senhor que, em plena harmonia com sua missão, se manteve toda a vida no estado de virgindade, como sinal de sua dedicação total ao serviço de Deus e das pessoas.

SACRIFÍCIO E RECONCILIAÇÃO

O decreto Presbyterorum ordinis, do Concílio Vaticano II, ressalta que é pelo ministério dos presbíteros que “o sacrifício espiritual dos fiéis se consuma em união com o sacrifício de Cristo, mediador único”, que é oferecido na Eucaristia de modo sacramental “pelas mãos deles, em nome de toda a Igreja, até quando mesmo o Senhor vier”.

A constituição dogmática Lumen gentium, também do Vaticano II, sublinha que os sacerdotes exercem ainda o ministério da reconciliação (Confissão) e o do conforto para com os fiéis arrependidos ou enfermos (Unção dos Enfermos), e apresentam a Deus as necessidades e preces dos fiéis, “reúnem a família de Deus em fraternidade animada por um mesmo espírito e, por Cristo e no Espírito Santo, conduzem-na a Deus Pai […]. Trabalham, enfim, pregando e ensinando, acreditando no que leem e meditam na lei do Senhor, ensinando o que creem e vivendo o que ensinam”.

IMITAÇÃO DE CRISTO

Na encíclica Sacerdotii nostri primordia (1959), São João XXIII enfatizou que “a grandeza do sacerdócio está na imitação de Jesus Cristo”, recordando que “o padre é, antes de tudo, um homem de oração”. Esse mesmo Pontífice reconheceu que, talvez por esquecerem do hábito da missa diária, da Liturgia das Horas, além das práticas de piedade pessoal, “certos membros do clero foram se entregando, pouco a pouco, à instabilidade exterior, ao empobrecimento interior, ficando expostos um dia, sem defesa, às tentações desta vida terrena”.

Na exortação apostólica Pastores dabo vobis (1992), São João Paulo II reforçou que “Deus chama sempre os seus sacerdotes a partir de determinados contextos humanos e eclesiais”. Contudo, enfatizou que há uma fisionomia essencial do sacerdote que não muda: “O padre de amanhã, não menos que o de hoje, deverá se assemelhar a Cristo”, e que, também no futuro, “a vocação sacerdotal continuará a ser o chamamento a viver o único e permanente sacerdócio de Cristo”.

Na carta intitulada “Sacerdotes com o coração de Cristo”, enviada aos padres em 4 de agosto de 2019, por ocasião dos 160 anos da morte de São João Maria Vianney, o Papa Francisco confirma os ensinamentos de seus predecessores. O Pontífice aconselha que, para que o padre seja configurado ao Coração de Cristo, “é necessário que o ponto firme da sua vida cotidiana e o fundamento da sua estrutura humana e espiritual sejam constituídos pelo húmus interior da profunda amizade pessoal com o Senhor, a partir da qual a gestão da própria vida, o celibato e a missão apostólica possam ser psicologicamente aceitáveis e espiritualmente fecundos”.

COTIDIANO

Na literatura, algumas obras ressaltam como os padres renovam o dom da sua vocação na cotidianidade da vida. Um desses clássicos é o “Diário de um Pároco de Aldeia”, um romance de Georges Bernanos publicado em 1936, que narra, em forma de confissão, a vida de um jovem padre católico na região francesa de Ambricourt. Ao denunciar que o Cristianismo está sendo transformado em rotina no mundo moderno, o autor retrata a morte simbólica desse mundo no confronto entre conformidade e inconformidade, entre espiritualidade e praticidade. O livro foi adaptado para o cinema em 1951 pelo cineasta francês Robert Bresson.

Já no livro “Vaso de Argila”, Leo Trese descreve um dia – desde que se levanta até que se deita – na vida de um pároco de uma pequena cidade norte-americana. Ao passar das horas, narra, na realidade cotidiana, o perfil das responsabilidades, dos desfalecimentos e das superações de um sacerdote que, em diálogo com a própria consciência e em colóquios cativantes com Deus, sente a fragilidade de um “vaso de argila” e a alegria de quem, por fim, se rende à atração das alturas.

O CURA D’ARS

De origem simples e humilde, João Maria Vianney nutria o desejo de ser padre desde a infância. Entrou no Seminário Maior de Lyon, porém, por sua formação escolar tardia, não tinha conhecimento suficiente de latim e, assim, enfrentou muitas dificuldades para entender os estudos filosóficos e teológicos. Após ser ordenado, foi designado como vigário-capelão em Ars, uma aldeia conhecida pelos vícios de seus cidadãos.

Ali, Vianney iniciou uma jornada árdua de oração, catequese e Confissões, não só para o povo de Ars, como também dos arredores. Alguns relatos contam que o Padre chegava a ficar 16 horas dentro do confessionário e passava longos dias se alimentando apenas de batatas e ovos cozidos. Essa era mesmo a sua grande missão: levar o perdão e a misericórdia divina para os fiéis.

Não demorou muito para que a pe- quena Ars ficasse conhecida como “o grande hospital de almas”. Um fato curioso é que o próprio João Maria Vianney vigiava e jejuava para ajudar os fiéis a alcançarem a redenção dos pecados. “Vou dizer-lhe qual é a minha receita: dou aos pecadores uma pequena penitência e o resto faço eu no lugar deles”, dizia.