“A lógica do serviço”

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21/09/2015 - 09:00

Marcos é o evangelista que lembra com mais freqüência como foi difícil para os apóstolos acolher as exigências de Jesus para segui-lo. Não foi nada fácil para eles aceitar tudo o que Jesus colocava como condições para o discipulado. Especialmente, quando Jesus tocava no tema da “Paixão”.

Eles, apóstolos, julgavam que, muito em breve, Jesus iria instaurar o Reino, mas um “reino terreno”; que, por sua vez, como todo poder constituído, teria uma “corte”, repleta de excelentes cargos e de muitas honrarias. Por isso, eles, apóstolos, já “disputavam” os melhores postos.

Esse comportamento dos apóstolos é próprio da natureza humana. O desejo de ser valorizado é algo inato à condição humana; no fundo, coincide com o desejo de ser, de dar sentido a própria existência. Não é, pois, coisa má querer ser valorizado, é lícito querer sê-lo. Tanto que Jesus afirma: “Se alguém quer ser o primeiro (...)” (Mc 9, 35a). O que Jesus altera radicalmente é o motivo desse desejo e também o modo de concretizá-lo: “Deverá ser o último e aquele que serve a todos” (Mc 9, 35b). A auto-afirmação humana consiste em servir o próximo, jamais em dominar e oprimir o semelhante.

Em virtude do pecado original, infelizmente, o “desejo de poder” enraizou-se no coração humano. E a sede de dominar pode levar o homem a destruir seu semelhante, como bem expressa a segunda leitura de hoje: “De onde surgem os conflitos e competições que existem entre vocês? (...) Vocês cobiçam, e não possuem; então matam. Vocês têm inveja, e não conseguem nada; então lutam e fazem guerra (...)” (Tg 4, 1-2).

A nossa infelicidade pessoal deriva daqui: dos desejos imoderados, das ambições que não conseguimos satisfazer ou que, uma vez satisfeitas, deixam-nos mais descontentes e insatisfeitos do que antes. A verdadeira felicidade não está em exercer o poder sobre os outros, em afirmar a si mesmo reduzindo os outros a escravos, ou a “aduladores”. A verdadeira felicidade está em “ser o primeiro para os outros”, isto é, “em colocar aquilo que se é e aquilo que se tem de bom em benefício de todos”. É uma lógica totalmente diferente daquela apregoada pela sociedade competitiva em que vivemos. É a “lógica de Deus”, sabedoria de Deus; no entanto, na perspectiva humana ferida pelo insaciável desejo de poder, a lógica divina não passa de loucura!

Viver esse ensinamento de Jesus requer mudança de mentalidade. O exemplo proposto por Jesus é uma criança, por quê? Pelo simples motivo de que a atitude de uma criança diante dos pais e diante do mundo deve ser o “sacramento da nossa atitude diante do Pai”. A criança espera tudo dos pais. Sente-se incapaz de subsistir por sua própria conta. A criança confia e se sente amada pelos pais. É cheia de inconstâncias, mas sabe que os pais sempre a compreendem e a perdoam. A atitude da criança é sempre a de receber, de aprender dos outros e do mundo. É capaz de admirar, de se espantar. De crescer através de relacionamentos e contatos. Apresenta-se e age como é: autêntica e simples. As crianças dizem verdades que outros não ousam dizer. Em toda criança há o germe de um profeta.

O fazer-se servidor deve ser conseqüência da superação do próprio egoísmo, e não uma atitude resignada de quem foge de si mesmo e dos outros. Não é uma atitude para covardes, mas para pessoas valentes; atitude própria dos verdadeiros discípulos de Jesus!