Ascese: querer bem a si mesmo!

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27/01/2015 - 00:00

A construção de uma autêntica identidade cristã passa necessariamente pela ‘ascese’, cuja finalidade é justamente levar o cristão a passar da consciência de ser batizado à vivência da força do batismo, à vivência daquilo que já se é na graça de Deus; levar à realização histórica aquilo que se recebeu como dom: a vida nova em Cristo, a santidade!

Ascese é querer bem a si mesmo. É optar por tudo aquilo que me faz crescer como cristão. O prazer que podemos dar a Deus é o nosso próprio crescimento. O que somos no plano ontológico não depende de nós, mas desenvolver todas as nossas potencialidades no plano moral, isto, sim, depende de nós, é fruto da ascese.

De modo muito prático, ascese é lutar para viver em sintonia com os valores do evangelho. Isto, sem dúvida, exige determinação e disciplina, pois lutamos contra o individualismo, a vontade de poder, o consumismo, o hedonismo, a religião de acomodação e de fuga do compromisso com o necessitado, a utilização depredatória da natureza, a coisificação das pessoas e das relações humanas, entre tantas outras tentações, que nos afligem diariamente.

Por isso mesmo, ensina, o grande místico, São João da Cruz, que somente persevera na prática ascética, aqueles que fazem uma experiência marcante do Mistério de Deus. Pois a exigência ascética é sempre precedida e motivada pelo amor a Deus, antes de qualquer renúncia ou mortificação. É sempre uma “ascese mística”. Do contrário, motivado unicamente pela renúncia, dificilmente alguém persevera no desapego ascético.

Na obra ‘Cântico Espiritual’, São João da Cruz compara o comportamento ascético ao efeito provocado pela paixão. A pessoa apaixonada não se mortifica renunciando ao amor de outras pessoas, ou deixando à parte outros divertimentos, ou encarando sacrifícios para encontrar-se com a pessoa amada. Tais renúncias são coisas naturais para um amor concentrado. Assim acontece com toda pessoa que verdadeiramente se encanta por Cristo!

O evangelho de Mateus também nos ensina que quem descobre um tesouro ou uma pérola de grande valor não pode hesitar, tem que se dispor a todos os sacrifícios para adquirir aquele bem precioso (cf. Mt 13, 44-46). Vender significa desfazer-se de algo, significa desapegar-se. É necessário, para aderir ao Reino, estabelecer uma hierarquia de valores, conferindo a cada coisa seu peso verdadeiro; renunciando a tudo aquilo que se configura como obstáculo ao Reino. Detalhe importante das duas parábolas: renunciar com alegria, pois se encontrou algo muito melhor.

Porém, quem ainda não encontrou Cristo, não consegue entender o motivo pelo qual, nós cristãos, somos ‘desapegados’ de tantas coisas, e somos felizes. Não descobriram, ainda, o verdadeiro sentido da “ascese”.