Quem é misericordioso com as crianças?
Lendo um recente estudo sobre a família e a necessária misericórdia com as famílias desfeitas pela separação e pelo divórcio, deparei-me com um questionamento do Cardeal Christoph Schönborn que deixou-me intrigado: “Diante de uma separação quem é misericordioso com as crianças, os filhos?”
Compreendemos as situações conflituosas que atravessam os cônjuges, as feridas abertas por uma separação e a Igreja deve ajudar os pais separados a curar as próprias feridas, mas precisamos recordar um princípio fundamental da família: o vínculo entre os pais e os filhos é indissolúvel e os pais devem ser os primeiros a exercer a misericórdia em relação às crianças.
Afirmamos que “os pais” têm a responsabilidade, porque a separação não gera uma ruptura total das relações, mas uma transformação da mesma e os pais, mesmo separados, precisam assumir o cuidado de seus filhos, como centro de sua missão, caso queiram exercer a misericórdia com as reais vítimas inocentes da situação.
De fato, as primeiras vítimas de uma separação são as crianças que tinham a alegria da presença dos pais e, de uma ora para outra, devem sofrer com a ausência do pai ou da mãe; em não poucos casos as crianças precisam aprender a conviver com um tio, uma tia, ou o novo companheiro da mãe ou a nova companheira do pai.
Há ainda situações graves e verdadeira falta de misericórdia quando um dos cônjuges faz uma guerra afetiva contra o outro cônjuge, instrumentalizando os filhos, lançando sobre as crianças o peso da amargura e o rancor que está no próprio coração. “Muitas vezes peca-se gravemente neste sentido, tornando-se necessário recordar: não mateis os vossos filhos com os vossos problemas pessoais! Eles não devem ser reféns das vossas discórdias. Convertê-los em reféns é um crime contra a alma dos pequenos” (Christoph Schönborn, 192).
Os pais que se separaram precisam individualmente se perguntar: como tenho agido como meus filhos de uma união precedente? Tenho dado atenção, carinho e amor aos meus filhos? Esforcei-me em dialogar com meu ex-cônjuge em vista do bem de meus filhos? Assumi minha parcela de culpa pela separação?
Ser misericordioso com as crianças é colaborar com o ex-cônjuge para garantir a presença paterna/materna sem ressentimento ou revanchismo; é permitir aos filhos o acesso à história das famílias de origem, condição fundamental para o desenvolvimento de sua identidade (Cf. Raffaella Iafrate, 371). “A histórias dos idosos fazem muito bem às crianças e aos jovens, porque os ligam à história vivida tanto pela família como pela vizinhança e o país” (AL 193).
O caminho da misericórdia exige refletir sobre estas questões fundamentais, exige passar por um processo de cura para continuar a proteger e fortalecer no amor as crianças, não acrescentando outros pesos àqueles que os filhos, nestas situações, já têm que suportar.
Sejam misericordiosos como vosso Pai é misericordioso.
Dom Sergio de Deus Borges
Bispo Auxiliar de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Sant`Ana