A minha África

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07/12/2015 - 14:00

Na audiência geral o Papa voltou a percorrer a viagem

“A convivência entre riqueza e miséria é um escândalo, uma vergonha para a humanidade”. A denúncia do Papa Francisco ressoou poucos dias depois do encerramento da sua viagem à África, onde ele pôde tocar com a mão as contradições daquela terra. Voltando a percorrer com os fiéis presentes na praça de São Pedro para a audiência geral de quarta-feira 2 de Dezembro, as principais etapas da visita ao Quênia, Uganda e República Centro-Africana, o Pontífice falou também da importância do trabalho dos missionários e dos jovens.

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Nos dias passados realizei a minha primeira Viagem Apostólica à África. A África é linda! Dou graças ao Senhor por esta sua grande dádiva, que me permitiu visitar três países: em primeiro lugar o Quênia, depois o Uganda e enfim a República Centro-Africana. Exprimo novamente o meu reconhecimento às Autoridades civis e aos Bispos daquelas Nações por me terem hospedado, enquanto agradeço a todos aqueles que, de muitas maneiras, colaboraram. Obrigado de coração!

O Quênia é um país que representa bem o desafio planetário da nossa época: salvaguardar a criação, reformando o modelo de desenvolvimento para que seja equitativo, inclusivo e sustentável. Tudo isto se reflete em Nairobi, a maior cidade da África Oriental, onde a riqueza e a miséria convivem: mas isto é um escândalo! E não só na África: também aqui, em toda a parte. A convivência entre riqueza e miséria é um escândalo, uma vergonha para a humanidade. Precisamente em Nairobi está a sede do Departamento das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que eu visitei. No Quênia encontrei-me com as Autoridades e os Diplomatas, mas também com os habitantes de um bairro popular; detive-me com os chefes das várias Confissões cristãs e das outras Religiões, com os sacerdotes e os consagrados, e encontrei- me com os jovens, deveras numerosos! Em cada ocasião encorajei a valorizar a grandiosa riqueza daquele país: a riqueza natural e espiritual, constituída pelos recursos da terra, pelas novas gerações e pelos valores que formam a sabedoria do povo. Neste contexto, tão dramaticamente atual, tive a alegria de anunciar a palavra de esperança de Jesus: “Permanecei firmes na fé, não tenhais medo!”. Foi este o lema da visita. Uma palavra que é vivida no dia-a-dia por numerosas pessoas humildes e simples, com nobre dignidade; uma palavra testemunhada de modo trágico e heróico pelos jovens da Universidade de Garissa, assassinados no dia 2 do passado mês de Abril, porque eram cristãos. O seu sangue é semente de paz e de fraternidade para o Quênia, para a África e para o mundo inteiro.

Depois, no Uganda, a minha visita desenrolou-se no sinal dos Mártires daquele país, a cinquenta anos da sua histórica canonização feita pelo beato Paulo VI. Por isso, o lema foi: “Sereis minhas testemunhas” (At 1, 8). Um lema que pressupõe as palavras imediatamente precedentes: “Recebereis a força do Espírito Santo”, porque é o Espírito que anima o coração e as mãos dos discípulos missionários. E no Uganda a visita inteira realizou-se no fervor do testemunho animado pelo Espírito Santo. Em sentido explícito, o testemunho é o serviço dos catequistas, aos quais agradeci e encorajei pelo seu compromisso, que muitas vezes abrange até as suas famílias. Testemunho é o da caridade, que toquei com a mão na Casa de Nalukolongo, mas que conta com a participação de numerosas comunidades e associações ao serviço dos mais pobres, dos portadores de deficiência e dos enfermos. Testemunho é o dos jovens que, apesar das dificuldades, conservam o dom da esperança e procuram viver em conformidade com o Evangelho, e não segundo o mundo, indo contra a corrente. Testemunhas são os sacerdotes, os consagrados e as consagradas, que renovam dia após dia o seu “sim” total a Cristo, dedicando-se com alacridade ao serviço do santo povo de Deus. E há mais um grupo de testemunhas, mas deles falarei mais tarde. Todo este testemunho multiforme, animado pelo mesmo Espírito Santo, é fermento para a sociedade inteira, como demonstra a obra eficaz levada a cabo no Uganda na luta contra a sida e no acolhimento dos refugiados.

A terceira etapa da viagem foi a República Centro-Africana, no coração geográfico do continente: trata-se precisamente do coração da África! Na realidade, na minha intenção esta visita era a primeira, porque aquele país procura sair de um período muito difícil, de conflitos violentos e de tanto sofrimento para a população. Foi por isto que desejei abrir precisamente ali, em Bangui, com uma semana de antecipação, a primeira Porta Santa do Jubileu da Misericórdia, como sinal da fé e de esperança para aquele povo e, simbolicamente, para todas as populações africanas, as mais necessitadas de resgate e de alívio. O convite de Jesus aos discípulos: “Passemos à outra margem” (Lc 8, 22), foi o lema para a República Centro-Africana. Em sentido civil, “passar à outra margem” significa deixar atrás de si a guerra, as divisões e a miséria, e escolher a paz, a reconciliação e o desenvolvimento. Contudo, isto pressupõe uma “passagem” que se verifica nas consciências, nas atitudes e nas intenções das pessoas. E neste plano, a contribuição das comunidades religiosas é determinante. Por isso, encontrei-me com as Comunidades evangélicas e com a muçulmana, compartilhando a oração e o compromisso a favor da paz. Com os sacerdotes e os consagrados, mas também com os jovens, pudemos partilhar a alegria de sentir que o Senhor ressuscitado está ao nosso lado na barca, é Ele quem a guia rumo à outra margem. E finalmente na última Missa, no estádio de Bangui, na festa do apóstolo André, pudemos renovar o compromisso a seguir Jesus, nossa esperança, nossa paz, Rosto da Misericórdia Divina. Esta última Missa foi maravilhosa: nela participaram muitíssimos jovens, um estádio de juventude! No entanto, mais de metade da população da República Centro-Africana são menores de idade, têm menos de 18 anos: uma promessa para ir em frente!

Gostaria de dizer uma palavra sobre os missionários. Homens e mulheres que deixaram a pátria, tudo... Quando eram jovens, partiram para lá, levando uma vida de trabalho muito árduo, e às vezes até dormindo no chão. A uma certa altura, encontrei-me em Bangui com uma religiosa italiana. Via-se que era idosa: “Quantos anos tem?”, perguntei-lhe: “81”. “Mas não eram muitos, era dois mais mais velha do que eu”. Aquela irmã estava lá desde quando tinha 23-24 anos: a vida inteira! E como ela, muitas! Estava com uma criança. Em italiano, a menina dizia: “Avó!”. Então, a religiosa disse-me: “Eu não sou daqui, mas do país vizinho, do Congo; e vim de canoa, com esta menina”. Os missionários são assim: intrépidos! “E o que a senhora faz, irmã?”. “Eu sou enfermeira, também estudei um pouco aqui e tornei-me parteira: fiz nascer 3.280 crianças!”. Eis quanto ela me disse. A vida inteira a favor da vida, da vida dos outros. E como esta religiosa, há muitas outras: numerosas irmãs, sacerdotes, religiosos que consomem a própria vida para anunciar Jesus Cristo. É bonito ver isto. É lindo!

Gostaria de dizer uma palavra aos jovens. Mas há poucos, porque parece que na Europa a natalidade é um luxo: natalidade zero, natalidade 1%. Mas dirijo-me aos jovens: pensai no que fazeis da vossa vida. Pensai naquela religiosa e em muitas outras como ela, que deram a vida e tantas morreram lá. A missionariedade não consiste em fazer proselitismo: aquela irmã dizia-me que as mulheres muçulmanas vão ter com elas porque as religiosas são boas enfermeiras que as curam bem, sem fazer catequese alguma para as converter! Dão testemunho; depois, às que quiserem fazem a catequese. Mas o testemunho: nisto consiste a missionariedade, grandiosa e heróica, da Igreja. Anunciar Jesus Cristo com a própria vida! Dirijo-me aos jovens: pensa tu o que queres fazer da tua vida. É o momento de pensar e de pedir ao Senhor que te faça sentir a sua vontade. Mas por favor, não excluas a possibilidade de te tornares missionário, para levar o amor, a humanidade e a fé a outros países. Não para fazer proselitismo: não! Quantos o fazem procuram algo diferente. A fé prega-se em primeiro lugar com o testemunho e depois com a palavra. Lentamente.

Juntos louvemos o Senhor por esta peregrinação à terra da África, e deixemo-nos orientar pelas suas palavras- chave: “Permanecei firmes na fé, não tenhais medo!”; “Sereis minhas testemunhas”; “Passemos à outra margem “ .

Fonte: Edição nº 49 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – página 24