Vida boa e boa vida

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02/08/2017 - 10:15

Conhecemos a figura daquela mulher pequena, de rosto enrugado, que passou a vida dedicada aos doentes e pobres mais pobres das periferias das grandes cidades: Madre Teresa de Calcutá. Sabemos que hoje ela é uma Santa canonizada pela Igreja. Podemos dizer que viveu na boa vida ou teve uma vida boa? 

Neste mês de agosto, vamos a cada semana meditar sobre as diversas vocações na Igreja: o Sacerdócio, a Vida Consagrada, o Matrimônio e as demais vocações laicais. Todas elas têm algo em comum: a renúncia a viver a boa vida para viver uma vida boa. Quando Jesus passa e nos convida a segui-lo, sabemos que nossa vida não será cômoda e tranquila; no entanto, quando se vive com Deus, todos os momentos e circunstâncias da nossa vida se tornam cheios de sentido, e temos a convicção de que vale a pena entregar a vida inteira para servir a Deus e aos nossos irmãos, por amor a Deus. 

Os antigos já faziam essa contraposição entre duas formas de viver: a vida boa e a boa vida. Na verdade, são dois estilos de vida. Cada um deles exclui o outro. 

Qual a melhor escolha? A maioria das pessoas quer a boa vida. Outros desejam uma vida boa, valiosa, cheia de sentido. Quando alguém diz: “feliz é você, que está aí na boa vida!!!”, a que se refere? A quem tem boa saúde e bem-estar físico; boa comida na casa da vovó, especialmente os doces que ela faz e os chocolates; boa bebida, bom barzinho, boas conversas, boas companhias; boa casa, belo quarto, cama macia. Nenhuma responsabilidade: trabalho, estudo, dever a cumprir. Ausência de cobrança, de compromissos, de horários, fugir da neurose do trânsito, tudo calmo.

No entanto, as boas coisas de que gozamos, segundo Aristóteles, como a riqueza e a saúde, não têm nenhum valor se nossa alma não for boa. Em outras palavras, a boa vida não tem valor se não vivermos uma vida boa. 

Por outro lado, quando falamos de vida boa, nos referimos a uma vida que tem sentido, que vale a pena ser vivida, uma vida que leva à felicidade, uma vida plena. É a pessoa que pratica as virtudes humanas e cristãs: a fé, a esperança e a caridade; a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança; e as demais virtudes decorrentes dessas: a paciência, a alegria, a humildade, a paz etc. 

Não é difícil encontrar pessoas que desfrutam do bom e do melhor, vivem num bem-estar completo, mas se sentem infelizes, angustiadas, com um enorme vazio no seu coração. Por outro lado, há outras pessoas que, apesar de haverem sofrido muito, continuam plenamente felizes. Chegamos a uma constatação importante: a vida boa é insuficiente para a felicidade humana, porque é muito superficial, externa: não resolve os conflitos do coração, não traz a paz à consciência, nem a certeza do amor. Ao contrário: as pessoas que encontraram a sua vocação no mundo e na Igreja, e vivem com fidelidade seus compromissos com Deus e com os demais, no Matrimônio ou no Sacerdócio, na Vida Consagrada ou nos demais compromissos laicais, sentem-se plenamente felizes e seguras. 

Lembramos das perguntas do Papa Francisco: “O que foi que a cruz deixou naqueles que a viram, naqueles que a tocaram? O que deixa em cada um de nós? Deixa um bem que ninguém mais pode nos dar: a certeza do amor inabalável de Deus por nós. Um amor tão grande que entra no nosso pecado e o perdoa, entra no nosso sofrimento e nos dá a força para poder levá-lo, entra também na morte para derrotá-la e nos salvar. Na cruz de Cristo, está todo o amor de Deus, a sua imensa misericórdia. E este é um amor em que podemos confiar, em que podemos crer” (Via-Sacra com os jovens na Praia de Copacabana, 26/07/2013). 

A grande diferença se dá no momento da dificuldade, em que devemos nos deparar com a cruz, a dor, o sofrimento e, especialmente, a morte. Nessas situações, percebemos a segurança de viver uma vida com sentido. Assim, quem vive apoiado em Deus não se sente abandonado: tem a certeza do amor. Jesus está mais perto de nós quando temos uma dor real, uma contrariedade mais séria. Ele não nos abandona. É o que o Papa nos dizia: “Queridos jovens, confiemos em Jesus, abandonemo-nos totalmente a Ele! Só em Cristo morto e ressuscitado encontramos salvação e redenção. Com Ele, o mal, o sofrimento e a morte não têm a última palavra, porque Ele nos dá a esperança e a vida: transformou a cruz, de instrumento de ódio, de derrota, de morte, em sinal de amor, de vitória e de vida” (idem). 

Vamos rezar especialmente neste mês de agosto para que sejam muitas as pessoas que decidam seguir Jesus, correspondendo à sua vocação sobrenatural na Igreja. 

 

Dom Carlos Lema Garcia
Bispo auxiliar de São Paulo e Vigario para Educação e Universidades
Artigo publicado no jornal O SÃO PAULO em 02/08/2017