Lembra-te que és pó

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03/03/2016 - 12:00

Aquele menino de 7 anos assistiu à cerimônia da Quarta-feira de cinzas com sua mãe. Escutou com muita atenção a homilia e reparou nas cinzas que cada pessoa recebia na testa, com as palavras: “Lembra-te de que és pó, e ao pó hás de tornar”. Impressionou-se quando o padre explicou que fomos feitos do pó da terra e um dia, depois da nossa morte, voltaremos a ser pó. Pouco depois, já em casa, apareceu assustado:

- Mãe, é verdade esse negócio de nascer do pó e voltar a ser pó depois da morte?
- É sim, meu filho.
- Nossa! Tem muito pó debaixo da cama no meu quarto... Será que alguém está para nascer ou... acabou de morrer?
Brincadeiras à parte, devemos pensar seriamente: o que temos de mais valor é a nossa alma, que, por ser espiritual, não estraga, não envelhece, não morre. Devemos cuidar tanto do corpo como da alma. Assim, seguimos os tratamentos e conselhos médicos de não abusar da comida ou da bebida, etc. A Quaresma nos recomenda dar maior atenção à alma, que vai viver para sempre.
A linguagem do sacrifício não é bem entendida no nosso tempo. Por que me privar do que eu gosto? Por que renunciar a coisas que são corretas, lícitas, como a carne, o descanso, a música? No entanto, essas mesmas pessoas fazem muito sacrifício para manter a forma física ou cuidar da saúde... Acordam às 5 da manhã para ir à academia. Fazem sacrifícios pela aparência, pela vaidade.
Se pensarmos bem, não é que não entendam sacrifício. Não entendem a sua finalidade. Se for um sacrifício para melhorar a aparência física, para manter a forma, então o esforço se justifica... Mas não entendem o sacrifício feito por amor a Deus, pelo progresso espiritual, pela purificação interior. Quando se considera o sofrimento de Jesus por nós na Paixão, tornam-se pequenos os sacrifícios de abrir mão de caprichos na comida, no conforto, na curiosidade, etc. O objetivo deste tempo de penitência visa elevar nosso espírito, ser menos condicionados pelas coisas materiais.
Jejum, esmola e oração são os três elementos da Quaresma. Há pessoas que fazem jejum de carne às sextas-feiras da Quaresma. Outras, jejum de chocolate, de coca-cola, de cerveja... Outras ainda, jejum de novela, jejum de curiosidade: por exemplo, só 15 minutos no Facebook... Achei muito interessante a decisão daquela moça: não comprar nenhum cosmético nesses 40 dias... Há também um jejum muito grato a Deus: jejum de pecar, jejum de criticar, jejum de mentir, etc. A melhor penitência é aquela que incide sobre os nossos defeitos. Aquelas mudanças mais necessárias: não criticar, nem julgar, nem pensar mal: quem sou eu para julgar os outros? A humildade de não fazer alarde das próprias realizações. Cortar as conversas fúteis, as fofocas sobre o comportamento das pessoas. Uma grande penitência: não se queixar das dificuldades, do modo de ser dos outros, dos atrasos, do calor, do trânsito parado. Para os estudantes, seguir um horário de estudo desde o início do ano. Procurar sorrir mesmo cansados, com sono ou dor de cabeça.
Além do jejum, a Igreja nos pede que pratiquemos a esmola. Esmola significa levar algo aos outros: além de donativos, comida e roupa, consolo, atenção, afeto. São várias obras de misericórdia espirituais. Esmola da atenção: ouvir com paciência a pessoa que nos interrompe quando estamos ocupados. Esmola do otimismo: não ser pessoas tremendistas. Esmola da alegria: contar coisas divertidas em casa. Esmola da ajuda que pode exigir um sacrifício para nós: umas horas de trânsito para buscar quem chega de viagem. Sacrificar uma tarde de domingo para visitar um asilo.
Por fim, sobre a oração, o Papa Francisco nos aconselha que “a Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus” (Bula Misericordiae Vultus, 17). Sempre nos comovem os relatos da Paixão, as estações da Via Sacra, etc. Uma boa forma de experimentar a misericórdia de Deus é confessar-se com mais frequência, preparando-nos com um exame de consciência sincero e profundo.

Dom Carlos Lema Garcia  

Bispo auxiliar da Arquidiocese e vigário episcopal para a Educação e a Universidade

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO, edição 3089/ 17 a 23 de fevereiro de 2016