Um pequeno estojo e uma grande lição

A A
27/04/2016 - 12:15

Há cerca de um mês, visitei uma escola estadual da Capital e a vice-diretora me contou um episódio ocorrido, naquele mesmo dia, numa turma de alunos de 9 e 10 anos. Em dado momento, um aluno sentiu a falta do seu estojo. Imediatamente, a sala se agita: os colegas entreolham-se e iniciam a busca do estojo desaparecido. Pouco tempo depois, o estojo aparece debaixo de uma mesa, no fundo da sala. “Como o estojo foi parar ali embaixo? Quem foi?” São perguntas sem resposta... A professora explica que não se deve tirar as coisas dos outros sem a sua permissão, nem que seja um lápis. Mas, como costuma acontecer nessas situações, ninguém assume a culpa. Até que um menino avisa a professora que viu um dos colegas jogar o estojo debaixo daquela mesa. Deu-se lugar a uma espécie de “delação premiada”.

O autor do pequeno furto é chamado à diretoria. Jura, nervoso: “Não fui eu... Não sei de nada! Minha mãe não pode saber... senão, vai me castigar...” A diretora deixa o menino numa sala sozinho, em silêncio, recomendando-lhe que se acalme e espere passar o nervosismo. Está de castigo, sem o saber. Em seguida, quando o menino está mais sereno, a diretora continua conversando sobre o ocorrido e lhe lança uma pergunta: “O que tinha dentro do estojo?” Nesse instante, o menino se trai: “Ah! Professora, tinha muitas coisas: caneta azul e vermelha, borracha, durex, uma tesourinha...” Sem perceber, acabara de confessar o furto... No dia seguinte, a mãe do menino veio à escola e pediu para entrar na sala de aula do seu filho. Diante de todos, fez seu filho declarar ao colega: “Me perdoa, porque eu peguei o seu estojo. Nunca mais vou fazer isso!”

A lição foi clara: penso que os alunos daquela classe jamais se esquecerão do dever de respeitar os bens dos outros.

Esse episódio nos leva a considerar a importância da participação da família e da escola na formação dos alunos. Os professores têm uma grande influência sobre a formação dos seus alunos: convivem com eles durante meses e anos, conhecem seus pontos fracos e fortes, descobrem seus talentos e capacidades etc. Podem ajudar os pais a conhecerem melhor seus filhos, trocar impressões sobre a orientação formativa para cada um. Junto com os pais, os professores podem encaminhar seus alunos na vida escolar, ajudando-os a enfrentar suas limitações, a superar seus receios, a abrir horizontes etc.

Aliás, o Papa Francisco, na recente Exortação Apostólica Amoris Laetitia, insiste na colaboração dos professores e pais na educação dos filhos: “Os pais necessitam também da escola para assegurar uma instrução de base aos seus filhos, mas a formação moral deles nunca a podem delegar totalmente” (n. 263). “A escola não substitui os pais; serve-lhes de complemento. Este é um princípio básico: ‘qualquer outro participante no processo educativo não pode operar senão em nome dos pais, com o seu consenso e, em certa medida, até mesmo por seu encargo’ ... parece-me muito importante lembrar que a educação integral dos filhos é, simultaneamente, ‘dever gravíssimo’ e ‘direito primário’ dos pais. Não é apenas um encargo ou um peso, mas também um direito essencial e insubstituível que estão chamados a defender e que ninguém deveria pretender tirar-lhes.” (n. 84)

Ao referir-se às escolas católicas no mesmo Documento, o Papa vai mais longe e destaca que “realizam uma função vital de ajuda aos pais no seu dever de educar os filhos. (...) As escolas católicas deveriam ser incentivadas na sua missão de ajudar os alunos a crescerem como adultos maduros que podem ver o mundo por meio do olhar de amor de Jesus e compreender a vida como uma chamada para servir a Deus”. (n. 279)

A lição aprendida com o episódio do estojo serve de estímulo aos professores, para assumirem o seu papel de educadores e, assim, ajudarem – sem pretender substituir - os pais na educação integral dos seus filhos. Dessa maneira, o contínuo intercâmbio educativo entre a escola e a família contribuirá para a formação de bons cristãos e cidadãos responsáveis, tão necessários em nossos dias. Isso é o que a Igreja espera das nossas escolas e das nossas famílias.

Dom Carlos Lema
Bispo auxiliar da Arquidiocese;
e vigário episcopal para a educação e universidade

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3099 -27 de abril a 3 de maio