Virtudes e dons do Espírito Santo

A A
24/06/2015 - 15:45

Certa vez, um aluno da Catequese de Crisma perguntou ao professor sobre a diferença entre os sete dons do Espírito Santo e as sete virtudes principais. De fato, trata-se de uma questão interessante, uma vez que há uma certa coincidência entre os dons e as virtudes, e até se pode fazer uma correlação entre eles: fé-entendimento; esperança-ciência; caridade-sabedoria; prudência-conselho; justiça-piedade; fortaleza-fortaleza e temperança-temor de Deus.

Para explicar a diferença, o catequista recorreu à tradicional comparação: as virtudes são o barco a remo e os dons uma embarcação à vela. O crescimento nas virtudes se dá quando a pessoa começa a remar, ou seja, a fazer atos de fé, de prudência, de fortaleza etc. Mas, assim como ao levantar as velas a embarcação, impelida pela força dos ventos, desliza com maior velocidade sobre a água, sob a ação dos dons do Espírito Santo, a pessoa deixa-se conduzir diretamente pelas inspirações divinas. Os remos são os atos das virtudes e as velas os dons do Espírito Santo.

No entanto, essa comparação é limitada porque as virtudes e os dons atuam conjuntamente na alma e também é sabido que o barco à vela movimenta-se sem o auxílio de remos. O crescimento na vida espiritual passa pelas virtudes e chega aos dons, e vice-versa. Quando há luta para praticar as virtudes com o auxílio da graça, a alma é cada vez mais conduzida pela ação dos dons do Espírito Santo.

No Novo Testamento, há muitos relatos da ação do Espírito Santo, como no dia de Pentecostes, em que umas línguas de fogo se repartiram e pousaram sobre cada um deles e todos ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem (At 2,4). Falam à sua maneira e o influxo divino traduz suas palavras de modo claro aos ouvintes.

Há outros episódios parecidos na vida dos santos: com a ajuda do Espírito Santo, Agostinho converteu-se ao ouvir uma voz de criança cantando “Toma e lê”, que ele entendeu como “toma e lê a Escritura” e, abrindo-a, encontrou a luz para a sua conversão definitiva. Sob a ação do dom da ciência, São Francisco de Assis abraçava uma árvore ou extasiava-se vendo num pássaro a maravilha de uma criatura de Deus. E hoje um cientista pode maravilhar-se com o Criador ao ver a imensidão do universo, ou a penetrar no mundo ínfimo de um átomo (cfr. Luiz Fernando Cintra, “Catecismo do Espirito Santo”, Ed. Quadrante, pp. 66 e 90).

Uma explicação interessante sobre a diferença entre virtudes e dons vem de São Tomás: as virtudes são insuficientes para que possamos atingir o grau de santidade que Jesus nos pede: “Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5,48) e “Amai-vos como Eu vos amei (Jo 13,34). Se pensarmos seriamente, nunca seremos capazes de atingir essas metas: ser santos como Deus é santo e amar com a grandeza do amor de Jesus. Uma criatura humana jamais poderia ousar atingir esses graus de perfeição. Por essa razão, o Espírito Santo, por meio dos dons, realiza uma intervenção direta na alma, de maneira que, atuando dentro de nós, possamos amar com o Amor de Deus, desejar a perfeição da qual Deus é o modelo. Assim, Deus ama em nós e por nós. O Espírito Santo nos ilumina. Muitas vezes, notamos que alguns conselhos, palavras, ideias que nos ocorrem não são nossas, mas fruto das inspirações do Espírito Santo em nós.

Dom Carlos Lema
Bispo auxiliar da Arquidiocese;
e vigário episcopal para a educação e universidade

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3057 -24 a 30 de junho