Homilia de abertura do ano catequético

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19/04/2009 - 00:00

Homilia de abertura do Ano Catequético em Celebração Eucarística, na Catedral da Sé, 
presidida por Dom Tarcísio Scaramussa, sdb
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo e Vigário Episcopal para a Região Sé

II Domingo da Páscoa - 2009
At 4,32-35; Sal 117; 1 Gv 5,1-6; Gv 20,19-31

A Igreja inaugura hoje o Ano Catequético Nacional. Inicia-se um mutirão para dar novo impulso à dimensão bíblico-catequética em toda a ação evangelizadora da Igreja, em seu tríplice ministério: sacerdotal (liturgia), profético (Palavra), pastoral (caridade). É uma forma de tornar possível o que Aparecida insiste tão fortemente, ou seja, fazer com que todo cristão seja um discípulo missionário. Nesta direção, o foco principal deste Ano é a catequese como caminho para o discipulado. Não se pensa apenas na catequese de crianças. Trata-se, principalmente, de proporcionar a todos, batizados e não batizados, crianças, jovens e adultos, a experiência marcante do encontro com Jesus Cristo. É uma convocação geral a todos os cristãos, a todas as pastorais e movimentos. 

A catequese deve promover a iniciação à vida de fé. O papa Bento XVI insistiu em Aparecida que “não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida, e, com isso, uma orientação decisiva” (DAp 12). A vida de fé exige, portanto, um passo a mais, nem sempre considerado na catequese. É necessário integrar doutrina e experiência num processo que ajude a tornar-se discípulo de Jesus.

A experiência do Senhor Ressuscitado está na base da caminhada de fé do discípulo. Mas como uma pessoa pode encontrar-se com Jesus Ressuscitado? O evangelho de hoje nos fala como aconteceu com os primeiros discípulos.

A comunidade está reunida no Cenáculo. É o primeiro dia da semana, para nós o domingo, que se segue aos acontecimentos fortes que os discípulos vivenciaram, a paixão e a morte de Jesus. Estão inseguros e desamparados, porque o ambiente que os cerca é hostil. Têm medo, porque ainda não fizeram a experiência de Cristo ressuscitado.

Jesus toma a iniciativa de vir ao encontro dos discípulos, para que não se sintam desamparados. Aparece no meio deles, e lhes transmite a paz, tranquilizando-os. O próprio Jesus ajuda-os a superar as dúvidas, mostrando-lhes as mãos e o lado, sinais de sua entrega na cruz. O Senhor ressuscitou realmente. Agora os discípulos não têm mais dúvida. Eles reconhecem o Senhor. Jesus está no meio deles, no centro da comunidade. É a garantia de superação de toda a insegurança, de todo medo, de toda escuridão.

Jesus sopra então sobre eles, e lhes transmite o Espírito Santo. Este sopro de Jesus faz lembrar a criação do homem, quando o Senhor sopra sobre o barro, infundindo vida a Adão. O sopro de Jesus Ressuscitado dá início a uma nova criação, e a nova criatura é o discípulo que recebe o Espírito Santo.

É preciso refazer esta experiência em nossos dias. Vivemos num contexto de muitas buscas religiosas, mas muito fragmentadas, centradas no individualismo, cada um buscando o seu próprio caminho. O Evangelho nos esclarece que a verdadeira experiência de Deus nós só a podemos fazer na comunidade, pois ela é lugar privilegiado do encontro com Jesus ressuscitado. Quem está fora da comunidade, ou quem não faz caso do testemunho da mesma, dificilmente consegue reconhecer Jesus. Foi o que aconteceu com Tomé. Somente quando ele volta a estar com a comunidade, no “dia do Senhor”, é que reconhece Jesus Ressuscitado!

Como Tomé nesta situação, são muitos os irmãos jovens e adultos afastados, ou apenas parcialmente identificados com a fé da Igreja. O Ano Catequético “quer ser um despertar de todos os cristãos para a importância do aprofundamento e do amadurecimento na fé, vivida no seio de uma comunidade, empenhada em irradiar a vida em Cristo para toda a sociedade” (Texto-Base, p. 10). É na participação da vida da Igreja, na escuta da Palavra, na participação nos sacramentos, na oração, na vida comunitária, numa vida vivida no amor e comprometida com a justiça que se realiza nosso encontro com Cristo. Ele se faz encontrar através de sinais sensíveis de sua presença.

O Ano Catequético nos convida a olhar para o caminho dos primeiros discípulos, inspirando-se na experiência que os discípulos de Emaús fizeram de Jesus Ressuscitado. No primeiro dia da semana eles estão voltando para casa tristes e desiludidos. Jesus se aproxima e conversa com eles, explica-lhes a escritura, e, quando eles o acolhem como peregrino em sua casa, o reconhecem ao abençoar e partir o pão.

É este encontro com o Senhor que modifica a vida das pessoas e das comunidades de fé. O coração começa a arder, o desânimo desaparece, o medo e a acomodação também. Há um novo encantamento. O evangelho de hoje mostra o estado de ânimo dos discípulos: “Eles se alegraram por verem o Senhor”. Estão finalmente preparados para assumir a missão. Jesus então lhes diz: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”!

E os discípulos foram, e deram testemunho de Cristo. Esse testemunho transparecia em suas vidas, como indivíduos e como comunidade. Na primeira carta que ouvimos hoje, São João reafirma que o verdadeiro crente ama a Deus, escuta a sua Palavra e a cumpre, adere a Jesus Cristo e à sua proposta de salvação, é amoroso com os irmãos. Os Atos dos Apóstolos nos revelam a fotografia de uma comunidade de verdadeiros discípulos: são pessoas diversas, que vivem unidas pela fé e manifestam o amor com gestos concretos de partilha, atendendo às necessidades de cada um, e dão testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. A primeira comunidade cristã, nascida do dom de Jesus e do Espírito, é verdadeiramente uma comunidade de homens e mulheres novos.

Num mundo onde a realização e o êxito se medem pelos bens acumulados, onde o consumo é idolatrado, onde impera a acomodação, a falta de empenho e de generosidade, o oportunismo, a comunidade de Jesus é chamada a dar exemplo de uma lógica diferente e a propor uma mundo que se baseie nos valores de Deus. Viver de acordo com os valores de Jesus é a melhor forma de anunciar e de testemunhar que Ele está vivo.

Para chegar à fé, os homens têm necessidade não somente de anúncio, pois querem ver sinais concretos, querem constatar fatos que demonstrem que o Espírito de Cristo está agindo no mundo. O testemunho dos apóstolos é fundamental para que os sinais da presença do Ressuscitado sejam reconhecidos. Neste sentido, as comunidades cristãs, que formam a Igreja, apesar de pecadoras, são o primeiro destes sinais da presença de Deus, quando são comprometidas com a solidariedade, a justiça e a paz. Olhando a realidade da presença do Ressuscitado na vida de nossas comunidades, também nós queremos renovar a profissão de fé que Tomé fez com admiração e assombro: “Meu Senhor e meu Deus”.

A carta de João reforça esta missão de testemunho da comunidade, quando diz: “Todo o que nasceu de Deus vence o mundo. E esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé”.

Queridos irmãos e queridas irmãs, está aberto o Ano Catequético, um tempo de graça, de renovação, de formação e de missão. A proposta do Ano Catequético é uma forma excelente de realizar neste ano a missão continental no Brasil, pois ela tem como lema justamente “A alegria de ser discípulo missionário”. O Senhor que nos envia, nos confirme com seu Espírito! A Virgem Maria, nossa Mãe Aparecida, e São Paulo, intercedam por nós, para que sejamos verdadeiros discípulos, continuadores da missão de Jesus. 

Dom Tarcísio Scaramussa

São Paulo, 19 de abril de 2009