JMJ e experiência de fé

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01/08/2013 - 00:00

Na sequência de reflexões sobre a fé com base no Catecismo da Igreja Católica, a realização da JMJ sugere a abordagem de um aspecto muito valorizado pelo Catecismo e que tem importância especial tratando-se de jovens: a experiência de fé.

Os pedagogos costumam apresentar diferenças significativas entre adultos e adolescentes. Enquanto os adultos diante de algo novo primeiro buscam compreender, para depois escolher (optar) e finalmente experimentar (agir), os adolescentes primeiro experimentam (agem), depois escolher (optam) e, finalmente, compreendem. Isto se torna ainda mais importante na realidade da cultura digital que envolve intensamente o jovem, e que modifica comportamentos e mentalidades a partir da manipulação ou intermediação ativa da tecnologia. Devemos considerar esta realidade no processo de evangelização do jovem!

A JMJ apresenta-se como grande oportunidade para proporcionar aos jovens uma experiência de fé. O objetivo principal desses eventos é justamente facilitar o encontro de amizade com Jesus, para participar de seu Espírito, assumindo como discípulos o caminho de amor do Mestre, e a missão por Ele confiada.

Entre os múltiplos sentidos do termo experiência, queremos focalizar o aspecto da experiência religiosa, que designa a vivência pelo sujeito religioso de sua relação com o mundo sobrenatural. A atitude religiosa é abertura, acolhida e reconhecimento dessa realidade transcendente, que nós chamamos “fé”. E, mais particularmente, considerar a experiência cristã.

Assim deveríamos entender a experiência de fé não apenas como o participar de práticas e vivências, mas como uma vivência internalizada, a partir de um processo de reflexão iluminado pela Palavra de Deus, um tomar consciência do vivido, um mergulhar no mistério de Deus.

Para Santo Tomás de Aquino, experiência é um habitus, ou seja, uma prática que se consolida a ponto de conformar uma pessoa, conferindo-lhe facilidade e perfeição no agir. A experiência cristã é fruto da ação do Espírito de Jesus, quando encontra acolhida no coração de uma pessoa. 

Bento XVI, na Carta Encíclica Spe Salvi, aprofunda este conceito, distinguindo um encontro com Deus apenas informativo de um encontro performativo. Este último constituiria uma verdadeira experiência, ou seja, “deveria transformar a nossa vida a ponto de nos fazer sentir redimidos através da esperança que o mesmo exprime” (Cf. Spe Salvi, 4). Na Encíclica Verbum Domini, ele explora o aspecto performativo da palavra e dos sacramentos: “Com efeito, na história da salvação, não há separação entre o que Deus diz e faz; a sua própria Palavra apresenta-se como viva e eficaz (cf. Hb 4,12)... Do mesmo modo, na ação litúrgica, vemo-nos colocados diante da sua Palavra que realiza aquilo que diz. Quando se educa o Povo de Deus para descobrir o caráter performativo da Palavra de Deus na liturgia, ajudamo-lo também a perceber o agir de Deus na história da salvação e na vida pessoal de cada um dos seus membros” (Cf. VD, 53). O efeito performativo da Palavra significa algo que já foi assimilado pela consciência do sujeito, interpretado e reelaborado por ele, e que repercute em sua interioridade. Nessa direção, percebemos a força catequética das palavras de Bento XVI: “O discípulo-missionário não nasce da leitura de um livro e nem de uma decisão ética. Nasce do encontro com um acontecimento, uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida, e, com isso, uma orientação decisiva” (Deus Caritas Est, 12).

Se entendemos a fé como iniciativa e dom de Deus, não deveríamos falar de transmissão da fé. Acontece que a fé requer a adesão da pessoa, seu consentimento à iniciativa divina e, por isso, exige passos que preparem e predisponham a pessoa para esta resposta.

As condições da vida e da cultura podem favorecer ou dificultar um caminho de fé e o desenvolvimento da experiência da fé. Um contexto racionalista, que não estime os valores do transcendente, e se fixa no utilitário ou no consumo, dificulta esta experiência. A estas condições externas, acrescentam-se as disposições internas da pessoa, de fechamento ou abertura ao sentido mais profundo da vida. A experiência de fé se desenvolve numa dinâmica pessoal de abertura e de busca da pessoa, mas pode ser favorecida com mediações, como o testemunho captado na relação com outras pessoas, com comunidades de fé, e com uma proposta pedagógica que insira a pessoa na dinâmica desta experiência.

No documento da Conferência de Aparecida, a experiência religiosa aparece como o primeiro entre 4 eixos que devem ser reforçados em nossa Igreja (Cf. DAp 226): a experiência religiosa, a vivência comunitária, a formação bíblico-doutrinal, o compromisso missionário de toda a comunidade.

Num sentido pedagógico, Aparecida apresenta os passos de um processo de formação dos discípulos missionários (Cf. Dap 276-285), ressaltando que “chegar à altura da vida nova em Cristo, identificando-se profundamente com Ele e sua missão, é um caminho longo que requer itinerários diversificados, respeitosos dos processos pessoais e dos ritmos comunitários, contínuos e graduais” (Dap 281). Os principais aspectos deste processo são: o encontro com Jesus Cristo, a conversão, o discipulado, a comunhão, a missão (Cf. DAp 278).

A JMJ pode ter oferecido oportunidade para uma experiência de fé para muitos jovens. Com a ajuda e testemunho dos mesmos jovens, poderemos envolver outros jovens nesta experiência de encontro com o Senhor, especialmente se os acompanhamos num itinerário de crescimento na fé que considere esses eixos e passos indicados em Aparecida!

Dom Tarcísio Scaramussa, SDB
Bispo Auxiliar de São Paulo e 
Vigário Episcopal da Região Sé