“Queremos discípulos, não gente que faz cursinhos”

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08/04/2010 - 00:00

Uma das prioridades de nossa Região Episcopal Sé é a iniciação à vida cristã. É uma proposta na linha do que a Conferência de Aparecida chama de conversão pastoral, e é também uma das exigências do 10º. Plano de Pastoral da Arquidiocese. Por que se insiste nisso neste momento, e o que precisamos fazer?

A forma de pastoral que predominou até os nossos dias está se revelando insuficiente, e parece não corresponder às necessidades da formação de discípulos missionários em nosso tempo. O Documento de Aparecida indica algumas carências desse modelo, e ao mesmo tempo aponta a direção para uma nova prática pastoral: ”Uma fé católica reduzida a conhecimento, a um elenco de algumas normas e de proibições, a práticas de devoção fragmentadas, a adesões seletivas e parciais das verdades da fé, a uma participação ocasional em alguns sacramentos, à repetição de princípios doutrinais, a moralismos brandos ou crispados que não convertem a vida dos batizados, não resistiria aos embates do tempo. Nossa maior ameaça é o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja na qual, aparentemente, tudo procede com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando em mesquinhez. A todos nos toca recomeçar a partir de Cristo, reconhecendo que não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DAp 12).

Neste simples parágrafo vemos toda uma descrição de realidade, e ao mesmo tempo a indicação de uma proposta nova de evangelização que dá um novo rumo para a pastoral da Igreja.

A fé é um dom de Deus (Ef 2,8). Não é, portanto, um merecimento nosso. Se podemos encontrar a Deus, é porque Ele vem ao nosso encontro. Como Deus é justo, ele vai ao encontro de todas as criaturas. Como se explica então que nem todos vivam o dom da fé?

Este dom gratuito de Deus precisa ser acolhido, como uma semente que cai em terra boa. A fé é, também, uma resposta a Deus, é um cultivo da boa semente. É um colocar-se a caminho, como Abraão que parte para uma terra desconhecida. A fé significa, portanto, encontrar-se com Deus e viver como uma nova criatura. Por isso, ao dom da fé, corresponde uma ação de resposta humana. Após lembrar que fomos salvos gratuitamente pela fé, o apóstolo Paulo acrescenta: “Somos criaturas dele, criados por meio de Cristo Jesus para realizarmos as boas ações que Deus nos confiara como tarefa” (Ef 2,10). Por isso, o apóstolo Paulo fala assim de sua experiência de fé em Cristo: “corro para alcançá-lo, visto que já fui alcançado por Cristo Jesus” (Fp 3,12).

A iniciação à vida cristã é uma mediação que a Igreja oferece para o encontro com o Senhor e o crescimento na fé de pessoas não batizadas (catecumenato batismal), mas também de batizados não suficientemente catequizados (catecumenato pós-batismal).

Para que isto aconteça, é preciso realizar uma catequese de inspiração catecumenal. “Queremos discípulos, não gente que faz cursinho” (Estudos da CNBB 97, 161). Esta catequese deve falar ao coração das pessoas, e privilegiar os seguintes passos: conversão, discipulado, comunhão e missão. Nesta linha devem estar todas as iniciativas pastorais de formação, como a catequese de crianças, jovens e adultos, a pastoral do batismo de adultos segundo o RICA (Ritual de Iniciação Cristã dos Adultos), a pastoral do matrimônio, a liturgia, as escolas da Palavra, as escolas da fé, as escolas de ministros e cursos de teologia para leigos, e, de alguma forma, todas as pastorais, para que tenham como eixo principal a formação de discípulos-missionários”.

A iniciação à vida cristã não é, portanto, uma tarefa apenas da catequese e de catequistas, mas é uma ação de toda a comunidade de fé. Daí a necessidade de cuidar dos lugares privilegiados para o encontro com o Senhor: “a Palavra de Deus; a leitura orante da Bíblia; a Eucaristia; a celebração dominical da Palavra; a reconciliação sacramental; a oração pessoal e comunitária; a participação na comunidade de fé e o amor fraterno; a identificação com Cristo na pessoa do pobre, do aflito e do enfermo” (DAp 240-275). Isto empenha os presbíteros, em primeira linha, e com eles, todos os outros batizados.

Como os discípulos de Emaús, os cristãos afastados retornam animados ao caminho da fé e da missão. “Agora, graças a Cristo Jesus e em virtude do seu sangue, vós, que antes estáveis longe, agora estais perto” (Ef 2,13). O ideal é chegar à convicção do apóstolo Paulo: “Fui crucificado com Cristo, e já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,19b-20).

Dom Tarcísio Scaramussa, SDB
Bispo Auxiliar de São Paulo
e Vigário Episcopal da Região Sé